A digestão de insetos - parte três
A próxima razão pela qual é obrigatório o estudo em digestão de insetos que quero comentar está intimamente relacionada com o primeiro tópico que levantei em uma postagem anterior (Digestão de insetos parte 1): a enorme diversidade do grupo. Existe um lado da diversidade dos insetos que é pouco conhecido e explorado até pelos especialistas: a grande diversidade do grupo se reflete também numa enorme diversificação do ponto de vista interno, em termos anatômicos, fisiológicos, e bioquímicos.
Em ou outros termos: o intestino de uma barata é completamente diferente do intestino de uma mosca, que é completamente diferente do intestino de um besouro, que é completamente diferente do intestino de uma formiga, que é completamente diferente do intestino de uma borboleta… e assim por diante. Nós, seres humanos, somos obrigados o tempo todo a criar simplificações e generalizações para lidar com a nossa vida e com a natureza. Padrões são importantes para que consigamos descrever e utilizar qualquer recurso com eficiência. Contudo, quando se trata do estudo da digestão de insetos, as simplificações podem ser extremamente danosas, pois limitam a nossa compreensão do tema, inibem estudos que são necessários e em última análise resultam em intervenções ineficazes e desperdício de dinheiro e de tempo.
Exemplos não faltam. As diferenças em termos de sistema digestivo de insetos podem ser realmente enormes, muito maiores do que se observa em vertebrados ou mamíferos como o homem. Por exemplo, o pH da digestão pode variar de dois a 12, ou seja, de condições extremamente ácidas a condições extremamente alcalinas, fato que não é comum na natureza e na maioria dos grupos biológicos. O número de compartimentos intestinais pode variar muito também, especialmente se considerarmos as dobras que comentei no segundo texto (Digestão de insetos parte 2), os chamados cecos gástricos, que podem estar ausentes ou existir em grande número, como 10, 20 ou 30... Além disso, as bases bioquímicas da digestão, em outros termos, os mecanismos moleculares associados a degradação e absorção de nutrientes podem ser radicalmente diferentes. Alguns insetos utilizam tripsina e quimotripsina para a digestão de proteínas, situação que se assemelha aos seres humanos. Outros, entretanto, utilizam catepsinas ácidas lisossomais, do tipo aspárticas ou cisteínicas, enzimas que são completamente diferentes em termos de especificidade e inibição.
As diferenças não terminam aí. Existem diferenças que são mais sutis mas que também são muito importantes, especialmente dentro de cada grupo dos insetos, como em ordens ou famílias de espécies. Um exemplo muito interessante é o do grupo dos cupins, grupo biológico que ficou famoso por ser capaz de ingerir e digerir madeira, muitas vezes no seu estado bruto. Contudo, até uma generalização tão simples como “cupins comem madeira“ está enormemente equivocada. O grupo dos cupins possui dezenas de milhares de espécies. Há cupins que comem solo, gramíneas, folhas secas, material em decomposição, fungos, e até… madeira. Ou seja, o conhecimento que temos a respeito de um pequeno número de espécies, as comedoras de madeira, não se aplica necessariamente às outras espécies do grupo.
Esse fato tem implicações práticas importantíssimas. A partir do momento que não podemos generalizar o que se conhece de um inseto para outro, o desenho de estratégias de controle ou mesmo a aplicação de inseticidas necessita do conhecimento detalhado da espécie alvo. Por exemplo, ao desenharmos uma planta transgênica com o intuito de inibir a digestão de um determinado inseto, devemos considerar qual é a enzima específica que aquele inseto tem. Se quisermos atacar um besouro, não podemos usar inibidores de tripsina que seriam eficientes para mariposas, e sim inibidores de cisteíno ou aspártico proteases. Da mesma forma, muito do que se conhece a respeito da biologia de Drosófila, o inseto mais utilizado como modelo para estudos genéticos, bioquímicos e fisiológicos, não serve para mosquitos, Mesmo sendo estes dois animais pertencentes à mesma ordem dos dípteros. Levando essa questão a um extremo, mesmo dentro do grupo dos mosquitos existem diferenças enormes. O mosquito da dengue, e o mosquito transissor da malária, são espécies completamente diferentes e que divergiram há milhões de anos, muito antes de existência do ser humano e até da linhagem dos hominídeos.Se formos usar estratégias de controle baseadas na digestão, que tendem a ser extremamente eficientes, elas apenas funcionarão se considerarmos a especificidade da espécie alvo.
Um exemplo recente e muito interessante ocorreu durante o desenvolvimento de vacinas veterinárias contra carrapatos e moscas. Existem algumas vacinas bovinas que são bastante eficientes no controle do carrapato australiano, mas que não funcionam tão bem na América. Isso reflete diferenças entre as populações de carrapatod. Contudo, um fato interessante é que tentou-se aplicar a mesma está estratégia de desenvolvimento de vacinas para controle de outra praga veterinária, a mosca do Berne que ataca caprinos e ovinos. Nesse caso, a vacina não funcionou, porque a mosca simplesmente digere os anticorpos produzidos pelo hospedeiro, coisa que não acontece durante a digestão do carrapato. Assim sendo, se quisermos proteger adequadamente as nossas lavouras, a nossa produção animal, a nossa saúde e os ecossistemas, é necessário e fundamental aprofundarmos os estudos na digestão de insetos!
Muita gente nem sabe que mosquinhas e besourinhos têm intestino. Não só o inseto, por menor que seja, tem um intestino, como cada um deles possui o seu próprio intestino com suas características peculiares, que são fundamentalmente importantes para o seu papel na natureza, ou como praga agrícola ou como vetor de doenças. Cada mosquinha, cada mosquitinho, tem dentro de si um enorme universo a ser explorado...
Em ou outros termos: o intestino de uma barata é completamente diferente do intestino de uma mosca, que é completamente diferente do intestino de um besouro, que é completamente diferente do intestino de uma formiga, que é completamente diferente do intestino de uma borboleta… e assim por diante. Nós, seres humanos, somos obrigados o tempo todo a criar simplificações e generalizações para lidar com a nossa vida e com a natureza. Padrões são importantes para que consigamos descrever e utilizar qualquer recurso com eficiência. Contudo, quando se trata do estudo da digestão de insetos, as simplificações podem ser extremamente danosas, pois limitam a nossa compreensão do tema, inibem estudos que são necessários e em última análise resultam em intervenções ineficazes e desperdício de dinheiro e de tempo.
Exemplos não faltam. As diferenças em termos de sistema digestivo de insetos podem ser realmente enormes, muito maiores do que se observa em vertebrados ou mamíferos como o homem. Por exemplo, o pH da digestão pode variar de dois a 12, ou seja, de condições extremamente ácidas a condições extremamente alcalinas, fato que não é comum na natureza e na maioria dos grupos biológicos. O número de compartimentos intestinais pode variar muito também, especialmente se considerarmos as dobras que comentei no segundo texto (Digestão de insetos parte 2), os chamados cecos gástricos, que podem estar ausentes ou existir em grande número, como 10, 20 ou 30... Além disso, as bases bioquímicas da digestão, em outros termos, os mecanismos moleculares associados a degradação e absorção de nutrientes podem ser radicalmente diferentes. Alguns insetos utilizam tripsina e quimotripsina para a digestão de proteínas, situação que se assemelha aos seres humanos. Outros, entretanto, utilizam catepsinas ácidas lisossomais, do tipo aspárticas ou cisteínicas, enzimas que são completamente diferentes em termos de especificidade e inibição.
As diferenças não terminam aí. Existem diferenças que são mais sutis mas que também são muito importantes, especialmente dentro de cada grupo dos insetos, como em ordens ou famílias de espécies. Um exemplo muito interessante é o do grupo dos cupins, grupo biológico que ficou famoso por ser capaz de ingerir e digerir madeira, muitas vezes no seu estado bruto. Contudo, até uma generalização tão simples como “cupins comem madeira“ está enormemente equivocada. O grupo dos cupins possui dezenas de milhares de espécies. Há cupins que comem solo, gramíneas, folhas secas, material em decomposição, fungos, e até… madeira. Ou seja, o conhecimento que temos a respeito de um pequeno número de espécies, as comedoras de madeira, não se aplica necessariamente às outras espécies do grupo.
Esse fato tem implicações práticas importantíssimas. A partir do momento que não podemos generalizar o que se conhece de um inseto para outro, o desenho de estratégias de controle ou mesmo a aplicação de inseticidas necessita do conhecimento detalhado da espécie alvo. Por exemplo, ao desenharmos uma planta transgênica com o intuito de inibir a digestão de um determinado inseto, devemos considerar qual é a enzima específica que aquele inseto tem. Se quisermos atacar um besouro, não podemos usar inibidores de tripsina que seriam eficientes para mariposas, e sim inibidores de cisteíno ou aspártico proteases. Da mesma forma, muito do que se conhece a respeito da biologia de Drosófila, o inseto mais utilizado como modelo para estudos genéticos, bioquímicos e fisiológicos, não serve para mosquitos, Mesmo sendo estes dois animais pertencentes à mesma ordem dos dípteros. Levando essa questão a um extremo, mesmo dentro do grupo dos mosquitos existem diferenças enormes. O mosquito da dengue, e o mosquito transissor da malária, são espécies completamente diferentes e que divergiram há milhões de anos, muito antes de existência do ser humano e até da linhagem dos hominídeos.Se formos usar estratégias de controle baseadas na digestão, que tendem a ser extremamente eficientes, elas apenas funcionarão se considerarmos a especificidade da espécie alvo.
Um exemplo recente e muito interessante ocorreu durante o desenvolvimento de vacinas veterinárias contra carrapatos e moscas. Existem algumas vacinas bovinas que são bastante eficientes no controle do carrapato australiano, mas que não funcionam tão bem na América. Isso reflete diferenças entre as populações de carrapatod. Contudo, um fato interessante é que tentou-se aplicar a mesma está estratégia de desenvolvimento de vacinas para controle de outra praga veterinária, a mosca do Berne que ataca caprinos e ovinos. Nesse caso, a vacina não funcionou, porque a mosca simplesmente digere os anticorpos produzidos pelo hospedeiro, coisa que não acontece durante a digestão do carrapato. Assim sendo, se quisermos proteger adequadamente as nossas lavouras, a nossa produção animal, a nossa saúde e os ecossistemas, é necessário e fundamental aprofundarmos os estudos na digestão de insetos!
Muita gente nem sabe que mosquinhas e besourinhos têm intestino. Não só o inseto, por menor que seja, tem um intestino, como cada um deles possui o seu próprio intestino com suas características peculiares, que são fundamentalmente importantes para o seu papel na natureza, ou como praga agrícola ou como vetor de doenças. Cada mosquinha, cada mosquitinho, tem dentro de si um enorme universo a ser explorado...
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