A sustentabilidade da ciência brasileira - parte 1


Sustentabilidade é um termo que está na moda. Como todas as atividades de nossa sociedade, a ciência também deve se preocupar com isso. Dessa forma, nas próximas postagens vou discutir algumas tendências, ideias e sugestões no tema.

É possível pensar a sustentabilidade de qualquer atividade em diferentes níveis, contextos e situações. Vou começar pela sustentabilidade econômica, e é impossível fazer isso sem considerar o panorama atual de crise. Sejamos francos, a ciência brasileira está falida e sem perspectiva nenhuma de recuperação. O orçamento das agências de fomento para o ano que vem é menor do que o desse ano, como se isso fosse possível. Aparentemente os governos estão brigando para ver quem financia MENOS a pesquisa científica, e em breve teremos mandatários que se orgulharam de não gastar nenhum centavo com universidades e institutos de pesquisa.

Cerca da metade dos candidatos a presidente não menciona de forma razoável ciência e tecnologia no seus projetos de governo. E mesmo os que o fazem, às vezes adotam posturas genéricas e até infantis a respeito. O nível de conhecimento e de maturidade demonstrado nos debates é risível, e eu aposto que a maioria não sabe a diferença entre uma ameba e uma sequoia. O candidato líder nas pesquisas, e que portanto tem maiores chances de vir a ser presidente, destaca-se por um discurso raso, não científico. O relance que há de política científica no seu programa é utilitarista, privatista e não faz menção nenhuma à ciência básica.

Dessa maneira, se quisermos continuar fazendo ciência de qualidade, nós cientistas teremos que nos adaptar à nova realidade, que é de escassez completa de recursos e de interlocutores qualificados para entender o valor da pesquisa científica. No mundo duro das finanças, há apenas duas maneiras possíveis de equilibrar um balanço de pagamentos que se revela fortemente deficitário: encontrar fontes adicionais de receita ou cortar custos. A busca de fontes alternativas de receita será tema de futuras discussões, mesmo porque ela depende completamente do contexto político e econômico, e da adaptação de todos a um novo marco legal. Vou começar falando da única coisa que está à nossa mão, que é o corte e redução de despesas.

Há inúmeras maneiras de se reduzir os gastos no laboratório. A primeira é dispensando técnicos e alunos, especialmente de pós-graduação que são os que gastam mais. O problema óbvio é de quebra de contrato e de confiança, especialmente com os programas de pós-graduação. Assim sendo, é pouco provável que os grupos de pesquisa possam diminuir a suas equipes muito rapidamente, sendo a política de redução de grupos uma prática gradual, simplesmente por não abrir novas vagas.

Outra maneira de se reduzir custos é desenhar projetos de pesquisa para que não dependam de maquinário e de reagentes sofisticados. Pode-se trabalhar com meta análise, análise de dados já publicados, ou simplesmente trabalhando com pesquisa incremental, de cunho descritivo. Testar hipóteses costuma ser mais caro. Outra estratégia é concentrar e focar esforços em recursos que já são naturalmente disponíveis, mais baratos, seja por serem parte da nossa natureza ou por fazerem parte da produção técnica de nossos laboratórios. Desenvolver tecnologia é uma faca de dois gumes, porque desenvolver tecnologia de ponta requer expertise e financiamento, o que provavelmente não haverá. Assim sendo, o desenvolvimento tecnológico factível é o de substituição e barateamento de técnicas que já são utilizadas pelos laboratórios. Com essas escolhas o Brasil perderá a pouca liderança científica que tinha, mas essa já é a escolha política realizada pelos nossos governantes.

Uma providência interessante é economizar na publicação de resultados. As revistas indexadas internacionais ou cobram assinaturas ou cobram custos de publicação, quando são de acesso aberto. As alternativas mais simples para limitar esses custos é publicar apenas em revistas na qual o autor seja editor, o que gera descontos, ou publicar apenas em revistas brasileiras. As revistas brasileiras, embora sejam de menor prestígio do que as internacionais, geralmente não cobram a publicação, sendo muitas de acesso aberto e indexadas em boas bases de dados, como o ISI, Scielo ou Pubmed.

Fiz uma pesquisa rápida no Web of Science (ISI) e segue abaixo a lista de algumas revistas brasileiras indexadas internacionalmente. Se alguém quiser sugerir algum nome por favor fique à vontade nos comentários. Uma continuação óbvia desse raciocínio e dessa política é que os editores das revistas nacionais devem fazer um esforço para que todas elas sejam indexadas internacionalmente, que sejam publicadas em inglês e que tenham um bom nível editorial. Nos campos aonde o espectro de publicações brasileiro é deficiente, devem-se criar revistas novas. Os institutos nacionais de ciência tecnologia poderiam albergar e fomentar a criação dessas novas revistas, o que daria fôlego a uma das poucas políticas continuadas de fomento da ciência nacional dos últimos anos.

Espero que as sugestões sejam úteis e que possamos manter a ciência brasileira viva nos próximos anos que virão, visto que continuaremos com a temeridade de atacar e inibir qualquer progresso científico e tecnológico genuinamente nacional. Um grande abraço a todos!



Nome da Revista Fator de Impacto (ISI)
BRAZILIAN ARCHIVES OF BIOLOGY AND TECHNOLOGY 0,676
BRAZILIAN JOURNAL OF BIOLOGY 0,784
Brazilian Journal of Botany 0,779
BRAZILIAN JOURNAL OF CARDIOVASCULAR SURGERY 0,805
BRAZILIAN JOURNAL OF CHEMICAL ENGINEERING 0,925
BRAZILIAN JOURNAL OF GENETICS 0,189
Brazilian Journal of Geology 1,25
Brazilian Journal of Infectious Diseases 2,083
BRAZILIAN JOURNAL OF MEDICAL AND BIOLOGICAL RESEARCH 1,492
BRAZILIAN JOURNAL OF MICROBIOLOGY 1,81
BRAZILIAN JOURNAL OF OCEANOGRAPHY 0,947
Brazilian Journal of Otorhinolaryngology 1,412
Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences 0,483
Brazilian Journal of Physical Therapy 1,699
BRAZILIAN JOURNAL OF PHYSICS 1,082
Brazilian Journal of Poultry Science 0,463
Brazilian Journal of Probability and Statistics 0,819
Brazilian Oral Research 1,223
BULLETIN OF THE BRAZILIAN MATHEMATICAL SOCIETY 0,41
Food Science and Technology 1,084
Jornal de Pediatria 1,69
JOURNAL OF THE BRAZILIAN CHEMICAL SOCIETY 1,444
Journal of the Brazilian Society of Mechanical Sciences and Engineering 1,627
Materia-Rio de Janeiro 0,34
Revista Brasileira de Farmacognosia-Brazilian Journal of Pharmacognosy 1,596
REVISTA BRASILEIRA DE ZOOTECNIA-BRAZILIAN JOURNAL OF ANIMAL SCIENCE 0,735
Revista de Nutricao-Brazilian Journal of Nutrition 0,443
Archives of Clinical Psychiatry 0,732
ANAIS BRASILEIROS DE DERMATOLOGIA 0,884
ANAIS DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIENCIAS 0,956
MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ 2,833

Comentários

Postagens mais visitadas