A Ciência Executada
Ontem passei boa parte do dia discutindo a execução orçamentária de um projeto com o excelente Dr. Bruno Gomes da Silva, pós doutor do laboratório. Na condição de chefe de laboratório, tenho refletido muito também sobre como recebemos e executamos o nosso orçamento.
Eu percebo na minha trajetória ter vivenciado um conflito de culturas. Não só no começo da carreira, mas ao longo de minhas atividades no Brasil, tive contato com uma forma de execução de projetos que é tipicamente brasileira. Induzidos pela escassez e imprevisibilidade de recursos, o hábito muitas vezes é de planejar e comprar reagentes e equipamentos com a maior parcimônia e antecedência possível. Geralmente compramos o que vamos usar no ano que vem, e sempre deixamos os recursos em conta o maior tempo possível, pois não sabemos se ocorrerá um imprevisto, como quebra de equipamento.
Dessa forma, os recursos tendem a ser executados no final dos projetos. Isso parece ser um contra senso, pois os recursos foram teoricamente cedidos para a execução daquele mesmo projeto. Há que se comentar a burrice financeira de se manter o dinheiro parado por meses e anos, mas isso é tema de outra discussão. Contudo, faz-se ciência no Brasil assim desde sempre, já que nunca houve uma política de fomento à Ciência consistente de longo prazo. Some-se a isso o ridículo de projetos contemplados mas sem recebimento de recursos, o que tem sido a rotina dos últimos anos na FAPERJ e no CNPq. Com isso, tem-se a justificação e a consolidação do estilo Vampeta de se fazer ciência no Brasil: eles fingem que pagam e nós fingimos que fazemos.
Mas é claro que ninguém deixa de fazer ciência de verdade por causa disso. Os cientistas brasileiros são uma parcela da população especialmente abnegada, idealista e apaixonada pelo seu trabalho. O que acaba acontecendo é que a pesquisa no Brasil é feita em um modo retrospectivo: a pesquisa que se faz este ano está sendo paga com o recurso de projetos do ano passado ou do ano retrasado; em suma, de projetos anteriores que foram executados financeiramente no final de sua vigência. Essa é a única explicação para o fato de que ainda existem laboratórios no Brasil, já que nenhum grupo de pesquisa recebe recursos dignos de nota há cerca de dois ou três anos. Fato é que as nossas reservas, ou seja, aqueles estoques de reagentes, os últimos equipamentos que ainda não quebraram, os artigos que estavam para serem finalizados e publicados, estão se acabando. É por isso que a sensação de falência, desamparo e desilusão está se alastrando como fogo de palha no meio acadêmico do nosso país.
Uma saída que alguns grupos de pesquisa encontraram é a busca de recursos privados ou internacionais. E é aí que ocorre o choque de culturas. Nesses casos, a execução financeira deve acompanhar a execução científica, com os recursos sendo gastos desde o começo e durante a realização até o final do projeto. Algumas agências exigem balanços trimestrais, dos quais depende a liberação da próxima parcela. Nem os pesquisadores, nem as agências, nem a nossa burocracia está acostumada a essa forma, talvez profissional demais, de aplicação dos recursos científicos. Mesmo porque se a comunidade acadêmica brasileira trabalhasse assim não teria sido realizado um único experimento científico no país inteiro nos últimos três anos...
Eu às vezes tenho impressão de que a academia preserva demais a reputação do governo e do país, que por essa política de ciência e tecnologia deveria ser de mau pagador, burro e inconsequente. O problema é que isso cria uma armadilha financeira que tende a nos engolir. O racional de um gestor econômico pode ser muito simples: se continuam fazendo a mesma pesquisa com menos dinheiro, então não é preciso colocar mais dinheiro, pelo contrário, é ali que o dinheiro deve ser cortado. Não é preciso discutir o primitivismo desse raciocínio, que ignora o prejuízo que se causa com a quebra de continuidade da transmissão e execução de procedimentos, técnicas e do saber acumulado.
Além disso, há a questão humana e contratual de alunos que se propõe a fazer teses que tem duração prevista de 2, 3, 4 ou mesmo 5 anos. Como a relação entre orientador, aluno e os pares é de forma geral empática e solidária, ignora-se a irresponsabilidade do governo, e todos fazem um sacrifício a mais para finalizar os trabalhos e permitir aos alunos a defesa de seus títulos e continuação de suas carreiras, por mais que o cenário futuro seja de terra arrasada, país sem tecnologia, população e governo completamente ignorantes e analfabetos científicos.
Eu realmente espero que saiamos desta crise mais maduros e conscientes. Sem dúvida os cientistas que sobreviverem serão muito resilientes e profissionais. Ainda não perdi a esperança de que dias melhores virão, para a ciência no Brasil e por tabela para o nosso país.
Oi Fernando, Ótimo texto. Muito comum essa situação nos nossos projetos também. E no fim, é muito comum que esse dinheiro que sobra no fim do projeto acabe sendo gasto às pressas, às vezes sem muito planejamento, pois do contrário teríamos que devolver a verba. Espero mesmo que possamos nos “profissionalizar” nessa questão orçamentária. Abç,
ResponderExcluirObrigado Ti! Concordo, muitas vezes compramos um monte de coisas sem planejamento no fim. Isso acontece quase todo ano no IOC. Vale destacar que muitas vezes o Ministério repassa a verba da Fiocruz e do Instituto no dia 31 de dezembro. Aí fica difícil, né?
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