As melhores reuniões de laboratório do mundo!
Eu tenho um problema histórico, com a qual venho lutando desde sempre: dificuldade em organizar uma rotina de reuniões no laboratório. Nos últimos anos isso tem ocorrido por diferentes motivos, desde a falta absoluta de salas para isso no lugar aonde eu trabalho, desde mudanças na estrutura do grupo, e até em uma complicação crescente enorme na minha quantidade de tarefas e na minha organização do tempo.
Contudo, apesar de todas as idas e vindas, continuo achando que poucas coisas são mais importantes na rotina de um grupo de pesquisa do que as reuniões de Laboratório. Ao longo da minha carreira, participei de dois tipos principais dessas reuniões, nos mais diferentes formatos: reuniões para discussão de resultados/dificuldades, e seminários. Os dois formatos são importantes, mas hoje eu pretendo focar na discussão das reuniões de resultados.
A primeira vez que entrei em contato com esse tipo de rotina foi no laboratório dos professores Walter Terra e Clélia Ferreira, no Instituto de Química da Universidade de São Paulo. As reuniões de resultados, nas quarta-feiras, eram absolutamente importantes e obrigatórias. Muito dificilmente elas não eram realizados, e frequentemente o quórum era completo. As ausências eram percebidas e questionadas pelos chefes. Como o grupo de pesquisa era grande, não era toda semana que cada um conseguia falar do seu trabalho. As pessoas preparavam a sua fala, levavam os dados impressos ou o caderno, e discorriam sobre os últimos experimentos realizados, dificuldades que tinham encontrado, ideias que tinham tido. As reuniões eram riquíssimas.
Outra experiência diferente que tive em relação a reuniões de laboratório foi na Escola de Medicina Tropical de Liverpool, com o queridíssimo Professor Rod Dillon. Nos reuníamos no laboratório didático, com uma lousa grande, e passávamos horas discutindo projetos e experimentos com os pósdocs e alunos, desenhando no quadro, tomando cerveja e comendo salgadinhos. Embora muito menos formais do que as reuniões em São Paulo, esses brainstorms do grupo eram riquíssimos e resultaram em belos artigos e colaborações que duraram até hoje.
É absolutamente importante estar presente e consciente nas reuniões de laboratório. Contudo, a nossa rotina massacrante muitas vezes nos impede de ter a paz de espírito e a clareza necessárias para poder estar 100% presente. Uma coisa que aprendi nas reuniões do grupo do querido professor Ravi de Holanda no Rio é que uma sessão curta de meditação resolve esse problema. A meditação, independentemente da técnica que se use, se bem realizada ajuda as pessoas a terem foco e tranquilidade na tarefa que se avizinha. Isso se dá pelo simples fato de que elas estão mais conscientes do que são, aonde estão e do que estão fazendo.
Eu vejo inúmeras vantagens na dinâmica do grupo e na formação de estudantes e pesquisadores nesse tipo de formato. Inicialmente, as pessoas aprendem a falar. Parece uma bobagem, mas sem treinamento adequado os estudantes seguirão a carreira acadêmica sem a desenvoltura, confiança e articulação necessárias para dar um bom seminário, participar de um bom debate, dar uma boa aula. Nos dias de hoje, não é facultado a um cientista ser um mau comunicador, pelo menos na sua atividade profissional. A interação com os colegas, alunos, e com o público em geral faz parte da profissão, e quem não trabalha isso tende a ser menos valorizado na carreira.
Outro fator importante é quase que terapêutico. Ao falar de seus experimentos, as pessoas são obrigadas a organizar o pensamento. Externar a suas dificuldades em voz alta é uma das ferramentas mais tradicionais para ligar com a ansiedade, confusão mental e para encontrar motivação necessária para lidar com os problemas. Além disso, numa apresentação de resultados ou de experimentos, o cientista é naturalmente forçado a desenhar o seu fluxo de ideias, porque senão sua apresentação será ininteligível. Isso facilitará no futuro não só a continuação do trabalho experimental, mas a redação de relatórios, projetos e artigos!
O terceiro fator que é favorecido nas reuniões de laboratório é a troca de conhecimentos entre os membros da equipe. O maior capital de qualquer grupo de pesquisa é o conhecimento de seus membros. E cada membro tem um conhecimento diferente, realiza experiências diversas e desenvolve as suas ideias de uma maneira única e particular. Quando o grupo expõe as suas ideias e problemas, ocorre uma troca enorme de talentos e possibilidades que pode sem dúvida alavancar os projetos de todos a um novo patamar.
O último ganho que quero destacar é o social. Independentemente das relações interpessoais que existam no grupo, é importante que haja um espaço um lugar para que as pessoas falem entre si. Não é à toa que grandes revoluções artísticas, científicas e culturais começaram ou se desenvolveram em cafés, bares ou restaurantes. A reunião entre pares fertiliza a mente e inspira o profissional a ir atrás de suas ideias e realizações.
Com tudo isso em mente, é com triteza que vejo a rotina de pesquisadores sendo completamente tomada por reuniões e reuniões sem fim, pouquíssimas com objetivo de troca de ideias científicas. A maior parte das reuniões que fazemos no nosso dia-a-dia tem cunho organizacional, burocrático ou político. Além do gasto de tempo e energia, existe o prejuízo subliminar de desgastar uma ferramenta valiosa, associando-a a uma experiência infeliz. É por isso que faço um apelo a pesquisadores e estudantes: cuidem de suas reuniões de laboratório, preservem esse espaço sagrado de avanço do conhecimento e de crescimento pessoal.
Um dia, quem sabe, eu conseguirei reunir no mesmo ritual a disciplina de Walter e Clélia em São Paulo, o calor e energia de Rod no Reino Unido e e a clareza e paz das reuniões que tive com Ravi no Rio. Acho que nesse momento as reuniões deixarão de ser um fardo e passarão a ser o grande evento da semana...
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