A Invisibilidade e o Poder da Ciência
Um dos componentes mais discutidos pela comunidade científica em função da nossa crise atual é a falta de percepção por parte da sociedade e de políticos da importância do financiamento científico. A continuação natural dessa preocupação é o investimento em práticas de divulgação científica. Essas inciativas são extremamente bem vindas e desafiadoras, já que obrigatoriamente retiram os cientistas dos laboratórios e da sua zona de conforto.
Do lado da comunidade científica é preciso perceber que a ciência tem origem nos mais diferentes lugares, pode ser fruto de reflexões técnicas, conceituais e experimentais em ambientes controlados, mas pode advir de problemas e da riqueza de situações que a sociedade tem para nos apresentar. No campo da saúde, esses opostos são muito claros: não existe coexistência física entre um laboratório de química que faz síntese de fármacos, e outro laboratório que faz o diagnóstico clínico ou laboratorial.
Contudo, existe um lado perverso e obscuro na nossa crise de comunicação. O conhecimento científico não faz parte das nossas atividades diárias de forma consciente. E existem dois fatores agravantes desse fenômeno no Brasil. O primeiro é que o Brasil não é um pólo de desenvolvimento tecnológico de destaque mundial na maioria das suas atividades econômicas. Embora sejamos um líder mundialmente reconhecido no campo do agro negócio, ele corresponde apenas um setor da nossa economia. Por mais que eu agronegócio seja banhado e completamente dependente de tecnologia e de ciência de ponta, a maioria da população não percebe isso porque não trabalha diretamente nesse setor. Imagine se há desconhecimento da importância da ciência para quem vive no Vale do Silício!
O outro fator, que corre em paralelo ao anterior, é a grande transformação que a sociedade brasileira sofreu nas últimas décadas. Em poucas gerações passamos de um país rural a um país urbano, de um país de jovens a um país de meia idade, de um país focado em atividades produtivas e de transformação para um país cuja economia está baseada no setor de serviços. As pessoas tendem a perceber a ciência e a tecnologia na medida em que elas resolvem os seus problemas diários. Em uma rotina de vida e de trabalho sem alterações ou sobressaltos cuja resolução dependa de avanço tecnológico, a tendência é que as pessoas simplesmente se esqueçam do valor do conhecimento.
Como falar de ciência e tecnologia para 15 milhões de desempregados, que formalmente não estão inseridos em nenhuma atividade produtiva? Como falar de ciência tecnologia para pessoas que realizam trabalhos e tarefas mecânicas, manuais, que estão mergulhados na rotina do subemprego? Isso infelizmente se conecta com a nossa triste realidade de país extremamente desigual. A partir do momento em que temos uma massa de trabalhadores, uma parcela substancial da população, mergulhada em um limbo social, econômico e tecnológico, é muito difícil fazer com que se crie uma consciência coletiva do valor da ciência.
O Brasil infelizmente mergulhou no círculo vicioso dos mais nefastos: não se criar conhecimento e não se valoriza conhecimento porque não se precisa de conhecimento para os problemas do dia-a-dia. Infelizmente é preciso conscientizar nossa classe política de que a economia não crescerá na base de mais do mesmo, em um mundo em constante transformação e avanço tecnológico sem precedentes. Embora o desafio da empregabilidade de uma população de baixo nível social, econômico e educacional seja urgente, a única solução sustentável para esse dilema é capacitar as pessoas em tecnologias de ponta.
Do ponto de vista dos cientistas, precisamos sair ainda mais das nossas zonas de conforto e não apenas nos preocuparmos em divulgar a ciência que é feita nos laboratórios. Precisamos consultar a sociedade diretamente sobre suas necessidades e investir em projetos realmente transformadores. Tenho certeza que cada um de nós cientistas sabe o que deve ser feito para resolver algum problema da sociedade. Está na hora de pensarmos em projetos científicos e tecnológicos que resultem em intervenções de fato.Tenho certeza que a partir do momento em que a ciência seja vista como geradora de emprego, soluções e de dinheiro, não só teremos a sociedade como todos as forças do espectro político ao nosso lado.
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