A digestão de insetos - parte 2

Continuando nossa discussão sobre a importância dos estudos da digestão de insetos, hoje gostaria de comentar outro aspecto muito importante: o desenvolvimento de formas de controle populacional de insetos pragas agrícolas ou vetores de doenças. Em outros termos, o desenvolvimento de inseticidas.

Todos os compostos ou estratégias que são usadas para o controle de insetos dependeram historicamente de um profundo conhecimento sobre a biologia desses animais, para que pudessem ser desenvolvidos e aplicados. Esses estudos foram fundamentais para que se obtivessem ferramentas com a eficácia e a especificidade necessárias.

Por exemplo, muitos dos inseticidas que são utilizados atualmente são neurotóxicos. Mas eles atuam no sistema nervoso dos insetos, e não tem atividade sobre o sistema nervoso humano ou de mamíferos. Eu tenho impressão de que a maioria das pessoas não tem nem a consciência de que mosquitos tem cérebro ou sistema nervoso. Contudo, os especialistas que desenvolvem inseticidas precisam conhecer o sistema nervoso dos insetos em grande profundidade, para que esses compostos funcionem apenas nesses organismos. Isso se aplica a outros inseticidas, com outros modos de ação, e praticamente a todas as formas de controle.

Um aspecto importante que surgiu nas últimas décadas é a questão da especificidade e impacto em termos do meio ambiente. Hoje em dia não estamos preocupados apenas com o efeito que inseticidas podem ter em seres humanos, mas, além disso, em outras espécies animais e mesmo em outros insetos, como abelhas e demais polinizadores. O acúmulo de inseticidas químicos no ambiente é extremamente danoso a todos os ecossistemas e à nossa agricultura, que depende fortemente de insetos polinizadores.

E como os estudos sobre digestão de insetos se encaixam nessa discussão? O intestino dos insetos é um excelente alco para controle por inúmeras razões. A primeira, de natureza estrutural, é que o intestino é uma das maiores superfícies desses organismos. Os insetos realizam trocas de moléculas com o meio ambiente através do sistema respiratório, que é extremamente ramificado, e através do sistema digestivo, que é de certa forma linear. Entretanto, o sistema digestivo dos insetos é uma superfície de contato relativamente enorme. É muito comum observarmos intestinos que são muito mais compridos do que o próprio corpo do animal, em função de dobras, voltas e compartimentos separados. Além disso, é comum observar nos insetos dobras ou sacos, que recebem o nome de cecos gástricos, os quais podem ocorrer em grande número, até a casa das dezenas. Além disso, se observarmos a superfície do epitélio intestinal no nível microscópico, podemos observar que a superfície das células que recobrem o intestino possuem milhares de dobras em formato de dedos. Essas dobras são chamadas microvilosidades, e têm justamente o papel de aumentar a superfície de contato, maximizando a indução e secreção de enzimas digestivas, receptores e transportadores de membrana, o que é absolutamente necessário para a eficiência do sistema gastrointestinal. Assim sendo, o intestino dos insetos é uma superfície obrigatória de contato com o ambiente que é especialmente suscetível a agentes externos, por estar o tempo todo realizando trocas e por ser naturalmente muito extensa.

Outra razão que faz com que o sistema digestivo dos insetos seja excelente alvo para controle reside no fato de que esses animais não cozinham os seus alimentos como o seres humanos. Compostos ou microorganismos que sejam adicionados na sua dieta tendem a ser ingeridos sem modificações físico químicas extensivas. Além disso, a maioria dos insetos não tem a possibilidade ou capacidade de escolher a sua alimentação. Embora muitas pragas urbanas sejam generalistas, como as baratas e as larvas de mosquito, pragas agrícolas costumam ser extremamente especialistas, estando adaptadas a ingerir apenas uma única espécie de planta como alimento. Dessa forma, se interferirmos na sua dieta, o inseto não tem opção e tende a sofrer os efeitos dessa intervenção, que podem ser infecção, subnutrição, atraso no seu desenvolvimento e até a morte. Em outros termos, é teoricamente fácil fazer com que os insetos morram pela boca...

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