Poesia da semana - Manuel Bandeira

Partindo do pressuposto de que a vida sem poesia é infame

infame adj. 2g. s. 2g. (sXV) 1 que ou aquele que é marcado por infâmia, que está desonrado, desacreditado 2 que ou aquele que é vil, desprezível, baixo adj 2g. 3 relativo a pessoa infame 4 que causa repulsa ou desprezo por ser de má qualidade ou por ferir a sensibilidade ou o senso estético; detestável    

Vou postar uma poesia aos sábados, para alegrar e inspirar o nosso fim de semana. A poesia de hoje é de um dos maiores poetas de todos os tempos, o nosso querido Manuel Bandeira:


Preparação para a morte

A vida é um milagre.
Cada flor,
Com sua forma, sua cor, seu aroma,
Cada flor é um milagre.
Cada pássaro,
Com sua plumagem, seu vôo, seu canto,
Cada pássaro é um milagre.
O espaço, o infinito,
O espaço é um milagre.
O tempo, infinito,
O tempo é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
- Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.


Faço dois comentários a essa poesia. O primeiro é do ponto de vista lógico e conteudístico. Não sei exatamente até que ponto se conheciam os aspectos biológicos da morte quando essa poesia foi composta, mas hoje em dia sabemos que a morte faz parte da vida, em uma extensão e intimidade que é inimaginável se pensarmos apenas no aspecto humano individual. Todos os organismos evoluem para morrer em um tempo pré-determinado, pois sem isso não teriam capacidade de adaptação a doenças e mudanças ambientais. Há mecanismos moleculares, celulares, teciduais, até comportamentais para a boa morte. Provavelmente Manuel Bandeira não estava a par de tudo isso (por que provavelmente ninguém estava à época), mas ele se redime com uma beleza que só a arte pode trazer, ao dizer que a morte é o fim dos milagres, fim este que pode ser entendido tanto como término como também como finalidade. Um prêmio Nobel de Medicina para o poeta, por favor!

O segundo é de natureza pessoal. Essa poesia me evoca um dos momentos mais difíceis pelos quais passei, quando estive um mês internado na UTI do Hospital Quinta D´Or, por causa da gripe suína que peguei na epidemia de 2009. Após alguns dias, frente à piora do quadro, e sabendo de nossa situação de ¨imigrantes¨ no Rio, disse o médico à Marisa: ¨Chame a família¨. Eu não me lembro de muita coisa por que passei muito tempo inconsciente. Mas me lembro de ter chorado na cama do hospital. Quando saímos, eu, sentado no banco do passageiro de nosso carrinho, não podia acreditar em tanta luz, tanto verde, tanto som. Em poucos momentos de minha vida tive a impressão tão vívida de que vivemos em um permanente milagre.

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