A digestão de insetos - parte 6



A última razão que quero discutir que justifica os estudos sobre a digestão de insetos é simples e pode ser melhor compreendida observando primeiro a lista abaixo:

ALGUNS PRÊMIOS NOBEL DE MEDICINA E FISIOLOGIA

(Ano, Laureados, Assunto da Pesquisa)

  • 1902 - Ronald Ross - Malária
  • 1933 - Thomas Hunt Morgan  - Cromossomos
  • 1946 - Hermann Joseph Muller - Radiação
  • 1948 - Paul Hermann Muller - DDT
  • 1951 - Max Theiler - Febre Amarela
  • 1959 - Edward Tatum - Genes e Metabolismo
  • 1963 - Alan L. Hodgkin - Transmissão Neuronal
  • 1967 - Haldan K. Hartline - Receptores Visuais
  • 1973 - Karl von Frisch - Sociobiologia
  • 1995 - Edward B. Lewis, Christiane Nüsslein-Volhard, Eric F. Wieschaus - Genes e Embriogênese
  • 2000 - Eric R. Kandel - Memória
  • 2001 - Tim Hunt - Ciclo celular
  • 2002 - Sydney Brenner, H. Robert Horvitz, John E. Sulston - Morte celular programada
  • 2006 - Andrew Z. Fire, Craig C. Mello - RNA de interferência
  • 2011 - Jules Hoffmann - Imunidade inata
  • 2015 - William C. Campbell, Satoshi Omura, Youyou Tu - Antiparasitários
  • 2017 - Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash, Michael Young - Relógio biológico
Olhando a lista, podemos ver que 17 Prêmios Nobel foram dados a pesquisadores que utilizaram invertebrados como modelos. Isso corresponde a cerca de 16% dos 108 Prêmios Nobel já concedidos, ou seja, a cada 6 prêmios Nobel, um é dado para pesquisadores que estudaram insetos, vermes e afins.

Isso tem muitas implicações interessantes. A primeira é que muitas questões básicas e centrais de fisiologia, ou mesmo da natureza dos seres vivos, costumam ser gerais, podendo ser estudadas tanto no homem como em outros organismos. Quem diria que os estudos pioneiros sobre as bases celulares e bioquímicas da memória e aprendizado seriam feitos em uma lesma aquática? Quem diria que uma das principais formas de imunidade contra doenças seria descoberta primeiro em uma mosca? Os exemplos são todos impressionantes e apenas destacam a importância de procurar os melhores modelos biológicos para a pergunta que se quer responder.

Às vezes percebo um certo preconceito e resistência contra estudos de fisiologia comparada no país, como se a pesquisa médica relevante só pudesse ser feita com modelos vertebrados. Não há nada mais equivocado. Não se pode nem dizer que isso seja retógrado, por que os estudos pioneiros sobre hereditariedade, que usaram moscas, datam de 1930. É ignorância mesmo. 

Praticamente todos os grande centros de pesquisa biomédica de relevância internacional têm laboratórios de ponta utilizando moscas ou vermes como modelos para doenças humanas. O Instituto Oswaldo Cruz se tornou uma triste exceção após a morte do querido Doutor Alexandre Peixoto. Há modelos nesses organismos para quase todas as nossas doenças. E esses modelos têm a vantagem enorme de serem baratos e de fácil replicação. Podem-se testar com facilidade 10.000 moscas, mas um experimento com 50 camundongos pode ser proibitivo. Além disso há a questão do sofrimento e da ética animal, e por razões históricas e culturais insetos e vermes não são vistos como animais nos estudos biomédicos. Isso para um biólogo como eu é deliciosamente engraçado.

Há modelos em moscas para Mal de Parkinson, Alzheimer, Diabetes, Insônia, Câncer. Invertebrados podem ser geneticamente manipulados com relativa facilidade, criados em larga escala, usados para rastreamento de drogas com centenas ou milhares de condições. Modelos invertebrados têm algumas desvantagens, como algumas diferenças grandes em termos de fisiologia, vias de regulação ou embriogênese quando comparados aos animais vertebrados. Mas as vantagens de se utilizar moscas ou vermes para testes iniciais ou validação de alvos e mecanismos é tão gritante que todos os países desenvolvidos em ciência adotam massivamente essa estratégia.

Para se ganhar um Prêmio Nobel é preciso fazer questões básicas, fundamentais. E na grande maioria das vezes elas transcendem o ser humano. É evidente que não é fácil ganhar um Prêmio Nobel, mas um caminho possível é investir em bons modelos animais, considerando especialmente insetos, lesmas e vermes, que tanto já contribuíram para o avanço da Medicina. Se quisermos um dia ter proeminência na pesquisa biomédica, teremos obrigatoriamente que deixar o preconceito de lado e olhar com mais cuidado para moscas, helmintos, abelhas, lesmas, entre outros animais. 




P.S.: Como previsto, as notícias sobre o incêncio do Museu Nacional já saíram dos destaques principais de alguns jornais importantes, como o Globo e o Estado de São Paulo. E foi mais rápido do que o previsto (dois dias). A Folha de São Paulo ainda mantém um destaque no topo do site.

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