O Assédio na Ciência
Há algumas semanas, tive a honra de
participar de uma discussão na Semana da Pós-graduação do Instituto Oswaldo
Cruz. Era o Fórum dos coordenadores de Pós-graduação, e nessa sessão
apresentamos os desafios de cada programa e depois respondemos aos
questionamentos dos estudantes. Discutiu-se emprego, qualidade do ensino,
perspectivas da carreira, entre outros assuntos...mas uma discussão me chamou a
atenção. Em um momento do debate, levantou-se a questão de como os programas
lidam com assédio sexual ou moral. Os coordenadores fizeram suas considerações,
os alunos responderam, e evidentemente ficou claro que esse tema, espinhoso por
natureza, precisava de muito mais tempo do que teríamos ali.
Houve outra sessão especificamente
sobre o assunto, na qual infelizmente não pude ir. Mas acho que esse é um tema
candente, que precisa de muito amadurecimento no Brasil, especialmente na academia científica. Em função disso, vou tentar colocar algumas idéias a respeito.
A primeira é que precisamos ao
extremo tomar cuidado com idéias e opiniões individuais. Cada um de nós tem a
sua experiência, a sua trajetória e o seu olhar, que são únicos. E, para
dificultar ainda mais as discussões, a academia científica comporta pessoas que vão desde
a mais tenra idade, 15 ou 17 anos, até pessoas com 80, até 90 anos de idade.
Não há nada mais perigoso do que partir do pressuposto que a nossa experiência
pessoal pode ser generalizada para todos os colegas. Isso fica óbvio quando
vemos os mais jovens torcendo o nariz (mesmo que discreta e respeitosamente)
quando um professor começa uma frase com o clássico ¨Na minha época...¨, mas o
outro lado, talvez menos percebido por que muitas vezes os jovens não têm voz, é o
absurdo de querer transpor artificialmente os valores e a experiência atual, da
segunda década do século XXI, a um professor que se formou na década de 80 do
século passado. Um dos maiores desafios de quem quer melhorar o campo das relações
humanas é justamente construir consensos a partir de discursos dissonantes, e a
mudança de costumes nos últimos 50 anos fazem esse desafio muito maior.
Outro ponto é que precisamos tomar
muito cuidado para não empobrecer ou diluir essa agenda por falta de critérios.
Assédio sexual e moral são questões gravíssimas, e devem ser devidamente
diferenciadas de situações e desgastes que podem ocorrer na rotina de trabalho
entre seres humanos. Os estudiosos que se depuseram sobre esse tema, e que desenvolveram
critérios e normativas, destacam basicamente dois pontos importantes que devem
ser considerados nesses temas: a recorrência do comportamento, e o prejuízo psicológico,
físico ou profissional resultante dele. Há muita confusão nas discussões sobre
esses pontos, e as pessoas muitas vezes confundem a prática de assédio com as desigualdades
que ocorrem nas relações de trabalho, que muitas vezes são deturpadas por uma
chefia abusiva ou irresponsável em um ambiente extremamente competitivo. Eu
tenho a impressão de que muitas pessoas também ignoram que o assédio não ocorre apenas
do chefe sobre o subordinado, mas que também pode ocorrer entre subordinados, e
mesmo de um subordinado para o chefe. E também pode ser um fenômeno coletivo.
Dessa forma, é fundamental que as pessoas discutam e tenham toda a assistência
possível sobre o tema, mas com clareza sobre o que as normas e os especialistas
classificam como comportamento abusivo.
A última questão que gostaria de
levantar é a dificuldade de abordar esse tema em um contexto como o da comunidade científica brasileira. O Brasil se caracteriza pela pouca mobilidade acadêmica, e isso
significa que os alunos permanecem nos mesmos laboratórios ou institutos de
pesquisa por muitos anos. Eu mesmo, no começo de minha carreira, trabalhei por
15 anos na mesma mesa! A maioria das sociedades científicas do país são
como pequenas cidades do interior, aonde todo mundo se conhece e a fofoca corre
solta. Com essa intimidade e proximidade, podem-se desenvolver relações humanas
belíssimas e exemplares mas, quando as coisas não dão certo, as consequências
são muito piores do ponto de vista psicológico e social. Outro ponto a
considerar é que numa sociedade paternalista, sentimental e conservadora, é difícil
sair de um modelo quase que familiar nos grupos de trabalho. Quantos de nós já
não ouvimos ou falamos de nossos ¨filhos científicos¨? Se, por um lado, esse modelo
ajuda a criar vínculos e compromissos, por outro ele torna mais difícil
controlar abusos. Em outros termos, os filhos científicos merecem carinho e
atenção, mas não podem ficar de castigo no canto da sala...
É possível que com a adoção de um
modelo mais profissional de gestão e de trabalho essas questões sejam
aprimoradas no nosso dia a dia acadêmico, com todas as perdas e ganhos que
essa mudança pode trazer. Seja como for, é alentador saber que de uma maneira
geral toda a comunidade procura o mesmo, que é harmonia no ambiente de
trabalho. Precisamos buscar isso constantemente, com bom senso e, antes de mais
nada, muita empatia.
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