Panorama da ciência brasileira 2017/2018. Parte 4 - Ameaças

Continuando a nossa discussão, o último quadrante de uma análise SWOT (Strenghts, Weaknesses, Opportunities and Threatens) trata das ameaças em determinado cenário. Considerando o momento de falência aguda no qual se encontra a ciência brasileira, a percepção, mapeamento, e enfrentamento dessas ameaças é urgente. Longe de querer esgotar essa discussão, quero apontar aqui alguns fatores que a meu ver são exremamente preocupantes para o nosso cenário científico.

O primeiro é a total desconexão entre os agentes do poder público e qualquer tipo de prática ou atividade científica. Além de terem em primeiro lugar um nível de educação científica muito aquém do que seria razoável, boa parte de nossos representantes não consegue nem perceber a ciência como força motriz de nosso desenvolvimento econômico, cultural e social. Embora isso revele um afastamento preocupante da realidade que os cerca, isso não é de surpreender, pois historicamente nossos representantes em geral são muito refratários e incompetentes no sentido de atender a qualquer demanda social do país.

O segundo fator preocupante é a dominância e prevalência de idéias religiosas no debate de políticas públicas. Embora ninguém conteste a importância e talvez até necessidade de instituições de cunho teológico, elas não tem a competência necessária e muito menos a força motriz adequada para responder a qualquer tipo de problema da sociedade, quando se trata de políticas públicas de saúde, educação, segurança, transporte, comércio, tecnologia, emprego, entre outros. Dessa forma, ver o debate de questões técnicas da sociedade sendo realizado por profissionais da fé é um retrocesso extremamente preocupante e perigoso para o país.

A terceira ameaça, velha conhecida dos cientistas brasileiros, é o imediatismo. Estamos acostumados, como cidadãos, a deixar questões mais profundas e estruturantes de lado, para atender às urgências do dia a dia. É claro que situações urgentes e calamidades necessitam de resposta imediata, mas essa não pode ser a tônica das políticas públicas ao longo dos anos, décadas, e séculos. Adotando essa prática, investimentos em ciência e tecnologia de base nunca serão a prioridade do poder público ou mesmo dos agentes privados. Essa é uma estratégia péssima para o país e sua população a médio e longo prazos, que sofrerão os efeitos das crises econômica e social resultantes.

Por último, outra ameaça digna de nota é a defasagem tecnológica. Com a total retirada de recursos da ciência e tecnologia dos últimos anos, nossos cientistas não tem a menor condição de acompanhar os avanços da ciência mundial, que está a todo vapor e é a força motriz do desenvolvimento mundial. Os útlimos avanços em áreas como edição gênica, células tronco, ondas gravitacionais, computação de alto desempenho, computação quântica, inteligência artificial, robótica, entre outros, são completamente desconhecidos da grande maioria dos cientistas brasileiros. É óbvio que isso se estenderá para os profissionais formados pelas universidades, fazendo com que as empresas brasileiras não tenham a menor capacidade de inovar e de competir em qualquer campo da economia. Insistir nessa política de terra arrasada em ciência tende a ter reflexos extremamente negativos nos setores da agricultura, serviços e saúde, entre outros. Deixar o atraso tomar conta e ficar grande demais tende a fazer com que seja impossível a recuperação, tornando em um círculo vicioso investimentos em ciência difíceis de justificar. Seria um novo sete a um, com a diferença que o que está em jogo é a felicidade e vida de todos os brasileiros.

Mas como podemos enfrentar essas ameaças? Percebe-se que quase todas elas envolvem o debate público com a sociedade e seus representantes. Dessa maneira, é fundamental que os cientistas se engajem em discussões, não apenas com seus pares, mas com setores da sociedade através de todas as ferramentas possíveis de comunicação. É necessário abastecer o povo com idéias, argumentos, opiniões embasadas em conhecimento científico. Além disso, participando da proposição de políticas públicas, seja individualmente, em grupos, ou através de sociedades e entidades de representação. Esse é o único caminho possível, e outros países, em situações muito mais adversas que a nossa, conseguiram enfrentar esse tipo de ameaça com sucesso. Mãos à obra, companheiros!

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