Panorama da ciência brasileira 2017/2018 - parte 3 - Oportunidades


Dando continuidade a nossa análise, o próximo ponto que gostaria de discutir são as oportunidades atuais no campo científico brasileiro. Relembrando, isso corresponde ao terceiro campo de uma análise SWOT (Strongs, Weaknesses, Oportunities and Threatens).

Eu consigo vislumbrar quatro tipos de oportunidades, apesar do nosso cenário de crise. São elas: financiamento internacional, financiamento em nichos específicos, conexão com sociedade/empresas, e atuação no cenário político. Em todas essas frentes a participação de cientistas tende não só a ser favorável como também altamente estratégica para o país. Embora não seja minha pretensão esgotar o tema, colocarei algumas reflexões sobre cada um desses pontos.



Considerando a atual indigência de nossas principais agências financiadoras, um dos caminhos possíveis para o cientista brasileiro é buscar financiamento internacional. A grandes vantagens em seguir esse caminho: criam-se conexões em países com maior massa crítica científica, com mais recursos financeiros e abrem-se possibilidades de pesquisa em contextos mais amplos. É bastante claro que na grande maioria dos campos de estudo, os maiores especialistas e referências em cada área se encontram no estrangeiro. A quantidade de recursos disponível nas agências internacionais é de ordens de grandeza acima das nossas. Além disso, laboratórios no exterior dominam tecnologias de ponta que não são sequer compreendidas pela comunidade local.


Um problema dessa abordagem é que o país e os laboratórios perdem soberania, protagonismo e autonomia. Dificilmente redes de pesquisa financiadas por órgãos de outros países têm brasileiros como coordenador principal. Dessa forma, a gestão dos recursos é centralizada em outros grupos e o laboratório brasileiro acaba tendo um papel coadjuvante. Além disso, as prioridades da pesquisa científica em nível internacional não são necessariamente as mesmas prioridades do cenário nacional. Um caso óbvio é o das pesquisas em doenças parasitárias, as quais tem prevalência apenas em países pobres. Mesmo que pontualmente haja o alinhamento de interesses entre grupos estrangeiros e nacionais, o olhar e o interesse serão distintos, simplesmente pela natureza humana e local do fazer científico. Numa perspectiva menos favorável, a participação brasileira em projetos internacionais acaba virando um mero fornecimento de amostras, ou de dados locais, com pouco desenvolvimento do pensar nacional.


O segundo tipo de oportunidade é o foco nas questões específicas e nichos priorizados no momento pelas agências nacionais. Embora estejam quase mortas, as agências nacionais ainda existem, com o lançamento de alguns poucos editais por ano. Apesar dessa ser uma excelente oportunidade para os laboratórios que se encontram nesses temas específicos, é muito difícil para um grupo de pesquisa estabelecido se adaptar a demandas variáveis e difíceis de prever. Nesse sentido, seria interessante aos laboratórios que adotassem estruturas flexíveis, tanto de pessoal, como de projetos. Infelizmente a ciência brasileira não é estruturada dessa maneira, pois vemos que os laboratórios em geral se especializam e representam linhas históricas de trabalho, com um grau de identificação temática enorme.


O terceiro tipo de oportunidade é a busca de financiamento no país fora das agências. Tem se falado muito nas plataformas para angariar recursos junto ao público. Embora essa seja uma possibilidade extremamente atraente, no sentido de conectar a população aos grupos de pesquisa, tem limitações muito sérias. A primeira diz respeito aos montantes. Um laboratório de pesquisa para fazer projetos de alto impacto necessita de financiamento na casa da centena de milhares de reais, as vezes mais de 1 milhão. Dificilmente vaquinhas virtuais atingem esse valor. O outro problema é o da comunicação. É óbvio que o público terá interesse em projetos com mais apelo imediato, emocional ou prático, e isso não significa necessariamente qualidade e retorno à sociedade a longo prazo. Um caso recente e claro é o da fosfoetanolamina, aonde o público em seus representantes se mobilizaram para financiar um projeto com resultados pifios sob qualquer ótica médica.


O contato com empresas também é uma oportunidade interessante. Contudo, a maioria dos cientistas não tem conexões ou treinamento para isso. Vale dizer que a colaboração com empresas direciona os projetos para a solução de problemas práticos, o que não significa que eles não resultem em ganhos teóricos ou publicações. Entretanto, isso necessariamente pede um ajuste da forma de pensar de grande parte de nossos cientistas, que são formados em áreas básicas do conhecimento.


A última oportunidade que quero discutir é a mais importante e urgente. Trata-se da participação ativa de cientistas na política nacional. Esse ano nós teremos eleições majoritárias. Candidatos devem ser cobrados claramente sobre suas agendas científicas. Além disso, as sociedades científicas devem ser mais incisivas e objetivas na sua cobrança aos candidatos. Não só cientistas constituem uma parte significativa da população, em termos numéricos e de influência, como também as nossas sociedades tem grande inserção e visibilidade no debate público. Isso tem que ser explorado na forma de diálogo, cobrança de plataformas científico-tecnológicas aos partidos e a indicação clara dos candidatos que apresentam as melhores propostas. Não se trata de fazer barganha com as nossas posições ou com a nossa defesa do conhecimento, mas de trazer o debate de políticas científicas para uma linguagem que a nossa classe política entenda: a de intenção de voto.


Acredito que se a comunidade científica brasileira puder explorar essas oportunidades, não só sofrerá menos com a crise como também ajudará o Brasil a se recuperar, econômica, política e socialmente. O país vive um momento agudo e muito importante historicamente. A participação da comunidade científica é fundamental para que nosso povo encontre alternativas que não sejam a do desespero ou a do fanatismo. A única saída razoável para a crise é a do conhecimento e proposição de ideias novas. 

Sintam-se à vontade para dar mais sugestões e discutir minhas colocações nos comentários. Um excelente dia a todos!

Comentários

Postagens mais visitadas