Considerações sobre as eleições no Instituto Oswaldo Cruz

Nos próximos dias teremos eleições para a diretoria do Instituto Oswaldo Cruz. A campanha este ano contou com duas chapas, Um só IOC (chapa 1) e Integração (chapa 2). Muito se discutiu, se conversou, se propagandeou nessas duas semanas. Distribuiu-se material de campanha, fizeram-se visitas e panfletagem, até um debate com transmissão digital ao vivo. Eu pessoalmente pude acompanhar a discussão de muitas idéias e algumas situações bastante importantes. A meu ver algumas são mais perenes, ou conceituais, e justamente por isso acho importante expô-las publicamente.

A primeira discussão é se realmente precisamos de eleições no IOC. A diversidade de processos eletivos para direção de institutos de pesquisa é enorme. Há institutos com eleições, com nomeações arbitrárias, com escolha por comitê interno, comitê externo, e com diferentes níveis de confirmação antes da nomeação definitiva. A necessidade de eleições no IOC tem sido questionada basicamente por duas razões: gasto de energia e tempo, e pouca diversidade de plataformas eleitorais. Em outros termos, parte da comunidade do IOC está cansada de tantos processos eleitorais (especialmente depois da eleição para presidência da FIOCRUZ no ano passado) e, por outro lado, não percebe diferenças significativas entre as propostas que são apresentadas pelos diferentes grupos que historicamente disputam a diretoria. Simplificando ainda mais, recebe-se um ou mais panfletos destacando priorizações das áreas de pesquisa, ensino, gestão, comunicação, plataformas, serviços de referência e coleções. Em todas as campanhas e em todas as chapas. E as pessoas acabam escolhendo de acordo com suas preferências pessoais ou com o que conhecem das trajetórias individuais dos membros de cada chapa. Nesse sentido um movimento de servidores se organizou no começo do processo eleitoral para pedir que os dois grupos proponentes se unissem em uma chapa só. Essa iniciativa não teve sucesso, e novamente o IOC se viu em meio a uma contenda que muitos percebem como vazia de significado.

Por outro lado, há razões importantes que justificam o processo eleitoral e a disputa de chapas. Sem isso não haveria uma verdadeira discussão de propostas, nem a preocupação de apontar para a comunidade um caminho a ser seguido nos próximos quatro anos. Além disso, uma razão de força maior que impera é o próprio processo histórico no qual os eventos do Instituto se inserem. A democracia no Brasil, em seu formato atual, é relativamente recente e vem sofrendo diferentes tipos de ataques e contestações. No contexto de uma democratização recente propuseram-se eleições na Fiocruz e em todas as unidades. E no contexto atual de amadurecimento da democracia em nosso país é importante reforçar o papel da democracia em diferentes níveis, incluindo a nossa escolha para diretor. Dessa forma, quando deu-se início à campanha, apesar de ter um sentimento de frustração pelo fato dos dois candidatos não terem chegado a um consenso, mantive-me otimista, em função de um ganho maior, indireto, difuso, que todos poderíamos ganhar como comunidade.

Um fato muito positivo que a campanha deste ano trouxe foi a percepção de que o instituto forma quadros em número e qualidade suficientes para ter um, dois ou mais postulantes ao cargo de diretor de alto nível. E isso se reflete também no nível de todas as vice-diretorias. Em outras palavras, estamos bem servidos. Também foi muito positivo e responsável o comportamento dos candidatos, sem ataques, acusações ou confrontos desnecessários. Mas vale a pena discutir algumas linhas de raciocínio que me parecem falaciosas.

Uma delas é de que a qualidade da gestão do novo diretor em termos gerais será dependente ou definida pelas gestões anteriores. Em política, nos mais diferentes níveis, a continuidade ou alternância podem significar manutenção ou mudança de idéias e programas, mas não de competência pessoal. Em outros termos, as administrações anteriores de Tânia e Savino tiveram defeitos e qualidades, mas eles são únicos, para o bem e para o mal. Milton e Zé serão bons ou maus diretores de acordo com suas competências, que também são únicas. Achar que Zé/Milton serão bons/ruins por que Tânia/Savino foram bons/ruins me parece ingênuo e simplificador. Em outras palavras, se o diretor for bom, a gestão será boa. Se for ruim, será ruim. Qualquer tentativa de ligação no campo da competência pessoal me lembra do Celso Pitta. Eu sou de São Paulo, e esse é o meu exemplo mais emblemático. Os cariocas devem ter o seu...em suma, isso vale para as duas chapas. Validem-se junto à comunidade pelos próprios méritos.

Outra que vale a pena discutir diz mesmo respeito a políticas e rumos. Achar que a construção do Instituto, em qualquer das suas ações, se deu em função de uma ou outra administração é na melhor das hipóteses ingênuo. O Instituto tem mais de 115 anos, e algumas das linhas de pesquisa e laboratórios remontam a 1920, 1930. O Instituto tem uma longa história e a sua construção se deu de forma contínua ao longo das diferentes gestões. Querer resumir os ganhos e perdas a um grupo, um ou outro diretor, nos diminui como instituição histórica e desprestigia uma interlocução bem informada. Isso também vale para as duas chapas.

Um discussão candente é a relação que o Instituto deve ter com a Fiocruz como um todo. O Instituto é parte da Fiocruz e a sua relação com as outras unidades e com a presidência deve ser harmônica. A Fiocruz é um todo e uma briga fratricida por recursos e atenção nos enfraquece ao ponto de sermos manipulados politicamente em um nível maior, como aconteceu no ano passado. Eu pessoalmente não acho positiva uma política de enfrentamento e não acho que o Instituto vá ganhar protagonismo positivo com essa estratégia. Políticas, definições ou proposições afirmativas têm sempre mais chance de sucesso. O senso comum deve ser a base para a nossa atuação política e para a solução dos nossos problemas.
Vale mencionar novamente que o IOC está inserido em um contexto maior, histórico, econômico e social. E o contexto atual é de crise. Não será um novo diretor que resolverá isso. Em termos bem concretos, o orçamento deste ano já está definido, e não serão feitas grandes alterações desse montante...a não ser que sejam de restrição, o que ninguém espera ou quer. As propostas de busca de novos financiamentos tendem a ter resultado no médio e no longo prazo. Todos que trabalham com pesquisa sabem que no Brasil os recursos que são pedidos hoje são recebidos no ano que vem ou nos próximos dois ou três anos. Dessa forma é simplista imaginar que a mudança ou manutenção do diretor vá ter um impacto grande nas finanças do Instituto no curto prazo - que é o prazo de formação dos alunos, publicação de artigos, fornecimento de serviços...dessa forma, um bom conselho me parece o de ter paciência com o novo diretor, seja ele quem for.

Esclarecimentos ou discussões à parte, faço um pedido aos colegas, servidores, alunos, bolsistas: votem, participem! Estamos na reta final da campanha, e no contexto democrático o valor de nossos processos decisórios é dado pela participação da comunidade. Recentemente tivemos um mau exemplo disso na Marcha pela Ciência, aonde pude ver apenas dois alunos do Instituto (os representantes discentes!) e pouquíssimos colegas. Essa fraqueza de participação resulta no esperado, que é uma fraqueza em todos os sentidos - e não é à toa que os bolsistas têm atrasos constantes nos seus pagamentos, as universidades estão desmanteladas, a própria Faperj falida. A classe política infelizmente se afastou dos preceitos que valorizam programas científicos e tecnológicos de excelência. É fundamental mostrar que eles continuam vivos e fortes pelo menos no nosso Instituto Oswaldo Cruz. E que todos continuemos abençoados na nossa busca por um Brasil e um mundo melhores e mais justos.


















Comentários

  1. Caro Fernando,
    Seu texto convida a muitas reflexões importantes, obrigado. A primeira delas, na qual concordamos, é o desafio de compreendermos a importância de eleições no momento atual. É essencial que o comparecimento às urnas seja maciço. Isso dará respaldo aos eleitos, visibilidade aos não eleitos e revelará o apreço do IOC pela democracia num contexto político em que ela está sob constantes ataques. Concordo também que temos quadros para eleger gestores excelentes (quem dera o meu Rio de Janeiro pudesse dizer o mesmo).
    Pensei muito antes de comentar. Porém, tendo vista que há espaço aberto para discussão, me permitirei usá-lo com bastante parcimônia – este é o seu blog - para discordar de outros pontos. Afinal, ambos vemos diferenças sutis mas suficientes entre as duas ótimas chapas que concorrem à diretoria do IOC. Tanto que tornamos público nossos apoios a chapas distintas. Vamos lá.
    Se os membros das chapas entenderam que havia diferenças suficientemente densas para impedir uma “chapa única”, creio que é melhor para todos que elas sejam tornadas públicas durante uma campanha eleitoral não excessivamente longa. Se elas não se tornarem evidentes, então a escolha poderá se basear somente nos critérios que você apresentou - ou em muitos outros. Mas se ficarem visíveis, então nada melhor do que elas contribuírem para as escolhas (e votos).
    Perdoe-me se sou excessivamente direto, mas creio que a percepção de que pouco ou nada mudará imediatamente em função da Direção eleita não é um bom argumento. Podemos seguir com a analogia das próprias prefeituras, seja com a de São Paulo (onde a maior parte de minha família elegeu viver) ou do Rio de Janeiro (onde nasci e me criei). Uma equipe de governo pode distribuir recursos idênticos de modos radicalmente distintos, dependendo daquilo que entende serem as prioridades. Por isso, acredito que, mesmo limitado pelo orçamento, o impacto da mudança de gestão sempre pode ser substancial e rápido. O fato de que o orçamento está definido é relevante, mas não suficiente para definir o que ocorrerá em seguida.
    Todos querem (e devem) ter uma relação harmônica com a presidência e demais unidades da Fiocruz. Isso transpareceu nas falas dos Milton e do José Paulo, ressalvadas as nuances e diferenças que os caracterizam. Nenhum deles propôs uma relação fratricida. Utilizando com alguma liberdade a imprecisa definição ecológica de relação harmônica ensinada aos nossos filhos, podemos depreender que ambas as partes devem ser beneficiadas. Nesse sentido, não há discordância. Mas tampouco se trata de uma relação na base do tudo ou nada: a distribuição de benefícios e ônus bem como de deveres e direitos, também se define em função dos participantes da relação. É possível, até mesmo provável, que diferentes chapas tenham distintas percepções sobre o quanto essa harmonia pode (ou precisa) ser modificada, sem com isso se tornar fratricida ou desarmônica.
    Mais uma vez, obrigado pela oportunidade de reflexão e discussão.
    Maurício Luz

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    1. Caro Maurício,
      Muito obrigado pelo excelente comentário. Concordo com o que você diz em relação ao uso de recursos, que sempre pode ser direcionado em uma ou outra direção, iniciativa ou programa. O que não haverá, e acho que nisso concordamos, é uma mudança rápida na grandeza dos recursos. Acho muito difícil voltarmos à condição pré-crise rapidamente. Vamos torcer para que os nossos novos diretores sejam escolhidos em clima de paz e que saibam conduzir o IOC com sabedoria. Um grande abraço!

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