Ainda sobre as eleições no Instituto Oswaldo Cruz

Acho que nenhum dos colegas e amigos do Rio teve a chance de conhecer meu pai. Seu Werther fazia coisas fantásticas. Uma delas, particularmente salomônica, era a divisão de doces entre os filhos. Nós não tínhamos muito dinheiro, comer doce era ato raro, e às vezes tínhamos que dividir entre irmãos um pedaço de bolo ou outro um docinho qualquer. Qualquer pessoa que tenha mais de um filho sabe as crises diplomáticas que podem surgir por causa de um confeito a mais. Seu Werther pegava o doce, dava para mim ou meu irmão e dizia:

- Você divide. E você (o outro) escolhe o pedaço.

Isso obrigava quem dividia a usar régua e a faca mais afiada possível na divisão, e o outro a usar paquímetro para escolher o pedaço. Se houvesse reclamação, a resposta era óbvia demais - foi você que dividiu! Foi você que escolheu!

Pois bem, a melhor coisa da eleição de 2017 no Instituto Oswaldo Cruz é que no fim do processo ela me fez lembrar do meu pai. Terminamos com 53% para um lado e 47% para o outro. Acho que devo ter comido 47% do doce muitas vezes na minha infância...

O irônico dessa história é que todos começaram a campanha com o discurso de unificar o instituto, e o que se obteve no final é uma divisão quase perfeita. As chapas falharam? O instituto falhou nesse propósito? Embora obviamente o instituto não tenha sido unificado, não é possível falar em fracasso retumbante nesse caso. As razões que levaram à escolha de um ou outro candidato tem mais a ver com as qualidades do que com os defeitos das propostas, dos indivíduos, e com o momento político do IOC e do país.

Há pessoas que escolheram os candidatos com base em afinidades pessoais, como sempre. Outras pessoas escolheram com base no alinhamento aos diferentes tipos de discurso, mais à esquerda ou à direita em linhas gerais. E outras ainda por concordar com pontos específicos das plataformas de campanha. Um fator inegável é o do voto de mudança, de pessoas, descontentes ou não, que apostaram na alternância de poder e que viram a chapa 1 como sendo de continuidade. 

Seja como for, a nova diretoria herdará um instituto dividido, e isso tem prós e contras. O fator contrário imediato é que será teoricamente mais difícil construir consensos. O fator positivo é que as propostas e ações da diretoria serão analisadas mais criticamente por uma porção importante do instituto. O ambiente ainda é de crítica construtiva e todos ganham com isso no longo prazo. E isso é um grande mérito dos candidatos e uma conquista para toda a instituição. A campanha de 2017 será lembrada pela cordialidade e pelo respeito.

Contudo, embora para mim não haja dúvida do valor e da importância da democracia entre nós, em função de um acompanhamento mais próximo de algumas ações de campanha eu me questiono a respeito do valor da presença e atuação de políticos profissionais dentro de uma instituição cientifica. A questão de base é que política e ciência têm valores fundamentais diferentes e contraditórios. Em política pode-se mentir, postergar, enganar. Omitir e subtrair parte da verdade, quando não nos interessa, é lícito. Pode-se, por exemplo, exaltar as qualidades de um candidato e defender que por causa delas ele é o melhor, sem mencionar que o adversário tem as mesmas características. Os limites da moralidade e da ética também são diferentes. 

Vitória e poder têm significados completamente diferentes em política e em ciência. Mesmo a base fundamental das decisões é radicalmente oposta entre os campos da ciência e da política. A palavra consenso tem diferentes significados. Por exemplo, o resultado de nossa eleição, arredondado, nos diz que enquanto uma pessoa prefere a chapa 1 a outra prefere a chapa 2. Que hipótese (chapa X é melhor) seria aceita cientificamente com uma proporção de acerto dessas? Provavelmente nenhuma.

Eu pessoalmente acredito que a politização da ciência é importante. Mas às vezes tenho a impressão de que nossos esforços políticos deveriam se concentrar em bandeiras maiores, acima do nível institucional, como a política científica no Brasil ou o papel de institutos de pesquisa básica na promoção da Saúde. O instituto tem um capital político precioso, pessoas que têm uma energia e um brilhantismo quase que implacáveis ao defender suas bandeiras. E fico com a sensação que nos apequenamos quando usamos esse talento em disputas internas de poder. Ver emails enviados à socapa, ou mesmo alunos de outros estados sendo carregados ao Rio de Janeiro para votar, com as suas malas diretamente do aeroporto, faz pensar nesse tipo de limite, e de gasto energético desnecessário. Me faz lembrar que a política deveria ser um meio para fins maiores e não o fim propriamente dito. Especialmente num instituto de pesquisa, cuja atividade fim é aprimorar o conhecimento em saúde no país. No momento atual, de questionamento do valor básico do conhecimento científico para a sociedade, é preciso trazer os políticos para a ciência, e não politizar nossas discussões científicas.

De qualquer forma, como já decantado, tivemos uma campanha excepcional. Os eventos acima foram pontuais, bem no final do processo. E seja como for estaremos muito bem servidos de dirigentes. A nova diretoria conta com excelentes quadros e certamente contará com a boa vontade da comunidade. Que venham sempre novos tempos, e com eles soluções para os velhos e novos problemas do Instituto, da Fiocruz e do Brasil.








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