A paciência e a importância

Acabei de ler um livrinho precioso de Santo Agostinho. Chama-se CONTRA OS ACADÊMICOS. O título me chamou a atenção, mas felizmente a Academia à qual Agostinho se refere não é e nem poderia ser a nossa academia científica moderna.

O livro, que chamo de livrinho apenas porque tem poucas páginas, trata de idéias e conceitos tão interessantes que não só recomendo fortemente sua leitura, mas também faço questão de discuti-las por aqui. Trata principalmente da crítica a uma linha de pensamento filosófico grego, a Academia de Polemon e Arcesilas, entre outros. 

A primeira questão que me chamou a atenção vem da interpelação de um dos discípulos, que reclama no começo da discussão que o ponto ao qual se dedicavam já havia sido discutido e rediscutido inúmeras vezes, sempre chegando-se à mesma conclusão. Esse é um sentimento recorrente nos dias de hoje, aonde vemos diferentes grupos de debruçando sobre questões que pareciam resolvidas e sobre as quais já se havia construído certo consenso. Eu mesmo por muitas vezes também já perdi a paciência, com um gasto de tempo e de energia aparentemente fútil, e pensei comigo mesmo: de novo?

A resposta de Santo Agostinho é desconcertante: a repetição apenas demonstra e ressalta a importância do tema. A discussão, por mais que se chegue sempre ao mesmo destino, deve ser feita como exercício. 

E com isso não só fica evidente como perdemos o exercício da discussão, mas também como a discussão das bases de nosso conhecimento é importante. É difícil entender por que o hábito de discutir está em desuso. A própria natureza do ato de discutir tem diferentes entendimentos. Um deles, o que me parece mais apropriado, é expor todos os pontos favoráveis e contrários a um argumento ou hipótese. Com isso pode-se refutar ou reforçar um ponto. Ou mesmo deixá-lo em suspenso, mas dessa forma sem dúvida ganharemos conhecimento. Entretanto, há certa confusão com a atitude aonde expõe-se apenas os pontos favoráveis ao argumento que se quer defender. Muitas vezes confundem-se os propósitos de enriquecer o entendimento com o de convencer um opositor. Sem a exposição dos pontos contrários o entendimento será incompleto.

Outra razão para o desuso das discussões revisionistas talvez seja o acúmulo enorme de conhecimento que temos hoje sobre a natureza. É impossível para qualquer ser humano acumular e compreender tudo o que aprendemos sobre o universo e sobre nós mesmos. Por isso mesmo fazem-se escolhas de pontos que nos são mais interessantes, mas com isso vem a operação tácita de aceitar muito conhecimento técnico como verdadeiro sem saber suas causas, bases e origens. Somos obrigados a nos dessensibilizar para sobreviver.

Uma razão adicional é a natureza progressista de nossa sociedade atual. Valoriza-se a novidade, o progresso. O que já foi resolvido deixa-se para trás. É preocupante que isso ocorra não só no nosso dia a dia, pois isso nos empobrece intelectualmente, mas principalmente no sistema educacional. Há muitas correntes de educadores que questionam isso, mas é inegável que muito do que nossos jovens aprendem é dado sem a oportunidade de uma discussão apropriada e profunda. Por que não há tempo.


O alerta de Agostinho é seminal. Da próxima vez que uma questão repetida se oferecer, é fundamental não desanimar. É preciso ter paciência com as questões importantes. A repetição se dará na medida quase que exata da sua relevância. 

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