O congresso de Medicina Tropical de 2019: novas idéias e um alerta sobre a peste
Entre os dias 28
e 31 de Julho 2019, tive a chance de participar do espetacular congresso da
Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, que foi realizado em conjunto com a
Sociedade Brasileira de Parasitologia e com a Reunião em Pesquisa Aplicada em
Doença de Chagas e Leishmaniose. O congresso foi em Belo Horizonte e, além de
visitar essa linda cidade e poder encontrar grandes amigos, tive uma
oportunidade única de assistir palestras do mais alto nível científico. Embora eu
tenha o tempo cada vez mais curto e às vezes me ressinta dos deslocamentos, assistir
o trabalho dos colegas e participar de discussões é sempre renovador e interessante.
Voltei com boas experiências e algumas idéias novas na bagagem...
Dois eventos
chamaram muito a minha atenção. Um foi a excepcional palestra do Professor
Nelder Gontijo da UFMG. É difícil ter esse privilégio, e a expectativa
mostrou-se à altura. O Prof. Gontijo, de forma didática e muito inteligente discutiu
os principais fatos relacionados à hematofagia, que é a capacidade que muitos insetos
têm de se alimentar de sangue. Embora o Brasil tenha um conjunto considerável
de especialistas dedicados ao tema, poucos conseguem fazer uma análise tão
importante e abrangente do tema quanto o Prof. Gontijo. Das conversas com ele e
com o também excelente Prof. Marcos Horácio da UFMG ficaram algumas idéias
interessantes para o nosso grupo que vou compartilhar:
1.
É importante entender como as larvas de
mosquitos selecionam as partículas ingeridas pelo tamanho ou composição. Há
restrições comportamentais ou mesmo físicas?
2.
É importante medir o tempo de tráfego do
alimento nas larvas e nos adultos de mosquitos, que pode depender da dieta.
Esse é um parâmetro importante para entender as respostas fisiológicas do
inseto e desenhar melhores experimentos e estratégias de controle;
3.
Para matar microrganismos a serem utilizados em experimentos
de dieta ou alimentação, a exposição a vapor de clorofórmio é a técnica mais barata
e que menos afetaria a composição química e estrutural das células;
4.
A atividade de beta-1,3-glucanase salivar de
larvas de mosquito pode ter um papel similar ao da amilase salivar humana, e a
sua atividade depende da presença de paredes celulares íntegras no alimento;
5.
É possível que parasitas ajudem na hematofagia?
Essa hipótese explicaria uma vantagem adaptativa para o par vetor-patógeno que
nunca foi explorada.
Outro momento que se destacou na
minha experiência foi uma reunião absolutamente fantástica sobre pulgas e peste
no Brasil. Tive o privilégio de ouvir a excelente fala do Prof. Pedro Linardi
da UFMG, que introduziu o tema e apresentou os palestrantes, os Profs. Raimundo
de Carvalho da ENSP e o Prof. Stefan Oliveira da UFU. O Prof. Carvalho deu uma
excelente aula sobre a diversidade de pulgas no Brasil, e alguns fatos ficaram absolutamente
claros durante a palestra:
1. A
quantidade de pulgas descrita no Brasil é muito pequena, e provavelmente há um
grande número de espécies desconhecidas.
2. A
quantidade de especialistas no tema é claramente insuficiente, e o número de
espécies de pulgas descritas tem mais a ver com o número de pessoas dedicadas
ao tema do que com a diversidade local.
3. É
extremamente importante continuar e manter esses estudos, pois um grande número
de espécies têm relevância não só veterinária mas também médica, com casos de
tungíase e possível transmissão de peste.
A apresentação
do Prof. Oliveira também foi exemplar. Eu fiquei absolutamente chocado com o
estado de abandono do Programa de Controle da Peste. Para se ter uma idéia, um
dos problemas no Sistema de Vigilância é que o sistema para notificação de
casos é um programa que roda no computador em sistema DOS, que não está mais
disponível há décadas! Ou seja, se no serviço de vigilância do estado não houver
mais um computador muito velho funcionando, o sistema é interrompido. Eu até entendo
que há muito anos não há notificações oficiais, mas qual seria o custo de
atualizar o sistema? Não há justificativa para isso. A Peste é uma doença
gravíssima e claramente passível de subnotificação. Um dos pontos levantado é
que em muitas faculdades os médicos não recebem mais a formação mínima para o
diagnóstico clínico ou mesmo para dar a atenção necessária para um caso
suspeito. Para se ter uma idéia, no relato da última notificação oficial, quem alertou
corretamente sobre o caso foi um agente de endemias da SUCAM, que tinha muita
experiência de campo, e não o serviço de saúde ambulatorial.
Outro tema
importante é a estratégia usada para monitoramento e vigilância. Discutiu-se se
não seria melhor usar a sorologia de animais como parâmetro, em vez de busca ativa
de reservatórios e pulgas infectadas. Essa é uma discussão importante, por que
seria uma economia muito grande e além disso o impacto ambiental da vigilância
seria muito menor. Mas nesse caso é necessário desenvolver e testar ferramentas.
Seja como for, o quadro de vigilância da peste no Brasil é precário, e é
importantíssimo que se tomem providências a respeito. Em se tratando de doenças
infecciosas, a prevenção sempre é muito mais eficaz e barata. Espero que o país
não espere o próximo surto para se sensibilizar a respeito. Ainda mais em se
tratando de uma doença tão perigosa e mortal como a peste.
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