A Paciência e a Bioquímica

Há coisas cujo entendimento e compreensão não são imediatos. Esse é um fato da vida que precisa ser levado em conta em qualquer processo educacional e investigativo. É verdade que há o conhecimento imediato e intuitivo, e muitas vezes ele tem raízes na própria história do sujeito, ou até na nossa raiz biológica. Mas seja como for, o aprofundamento de qualquer assunto necessita um segundo olhar, uma segunda análise. A familiaridade e o reconhecimento de um conceito só existirão se o mesmo for revisitado.

Profundidade não significa qualidade. É possível ter idéias superficiais e excelentes, assim como idéias muito rebuscadas, profundas e estúpidas. Mas ao não ter o hábito do aprofundamento perde-se o campo das idéias e dos conceitos formalmente estruturados e mais complexos. E, dado o progresso histórico da sociedade ocidental moderna, quase todo campo técnico ou conceitual necessita desse tipo de saber e aprendizagem. 

Para aprender, é preciso paciência, e acostumar-se com a repetição e o progresso lento e contínuo. Uma comunidade impaciente tende a ser um bando de ignorantes, de saber episódico e randômico. E o cidadão que pouco sabe tende a ter menos importância, relevância, capacidade de atuação e de transformação de si mesmo e do mundo. Em uma escala maior, o exercício da paciência, da repetição do saber e da conferência dos fatos é fundamental para que tenhamos uma sociedade melhor.

Um fato muito interessante é que, por mais que sejamos impacientes e curiosos desde o princípio, também temos o afeto e a propensão pela repetição de experiências prazerosas. Quem nunca perdeu a paciência quando os filhos pediram para ver o mesmo desenho pela décima vez? A repetição, por si só, não é entediante. Ela passa a ser entediante quando a revisita não traz nenhum significado, é arbitrária ou vazia. Mas quando há um porquê, seja ele emocional ou mesmo racional, o estímulo para o reexame não só é vigoroso como pode ser um ponto de partida para o desenvolvimento de questões e experiências novas.

Não é à toa que aprendemos tanto ensinando, ao fazermos o exercício da revisita e das explicações. Para ensinar também é preciso muita paciência, também do ponto de vista intelectual. Mas com paciência até as questões mais batidas podem mostrar um lado novo, ou serem fontes de novas perguntas. Em duas semanas devo iniciar uma nova rodada de aulas de Bioquímica para os alunos da pós-graduação. Tenho um roteiro e algumas expectativas, mas espero que, como sempre, a retomada dos estudos com os alunos seja fonte de novas inspirações, por mais que a alfa-hélice ou a inibição alostérica sejam companheiras tão antigas e de tantas batalhas.


Para os alunos também haverá repetição, em maior ou menor escala. Espero que com o grupo possamos desenvolver uma espécie de paciência coletiva, e fazer buscas produtivas em torno de conhecimentos familiares e novos. Nas próximas semanas vou tentar compartilhar essas experiências, para ver se conseguimos uma discussão mais ampla e clara de nossos (novos) conceitos. Boa sorte para todos!!!


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