A Maldade e a Burrice

Quando eu tinha entre 16 e 17 anos, como muitos jovens da elite econômica brasileira, fui meio que obrigado a escolher uma carreira. Eu sonhava em ser cientista desde quando era muito pequeno. Contudo, talvez por causa dessas confusões da adolescência eu sofria de uma indecisão horrível. Entre todas as dúvidas eu passava por um dilema em particular: seguir uma carreira artística ou científica? Eu tive uma experiência fantástica no teatro antes da faculdade e não sabia mais se devia seguir uma profissão em biológicas ou exatas.

Uma certeza que eu tinha, no idealismo da minha juventude, é que eu queria mudar o mundo. E, após muita reflexão, caí na armadilha de achar que para isso uma carreira científica seria melhor, por que a arte era mais um reflexo da sua época do que qualquer outra coisa. Hoje eu sorrio condescentemente ao jovem ingênuo de décadas atrás. Seja como for, imbuí-me do sentimento de que para mudar o mundo eram necessários cientistas, e que nada havia melhorado mais substancialmente a vida das pessoas nos últimos séculos do que a ciência e a tecnologia.

Entrei numa carreira científica, e qual não foi minha surpresa ao perceber que na verdade os problemas da sociedade não eram a priori científicos. Saberão as pessoas que a ciência já tem respostas ou caminhos para TODOS os problemas da sociedade brasileira? Esse fato desconcertante me mostrou que o problema não era técnico, mas político, social, histórico, econômico...humano. Muito além das respostas dos especialistas.

Mas de qualquer maneira, mesmo sabendo que a solução de todos os problemas do mundo vai muito além do conhecimento científico, não pude deixar de ter uma felicidade muito grande na carreira, frente à beleza do mundo e da natureza como um todo. Esse é um tema complexo, mas de qualquer forma conhecer o universo em maior profundidade foi algo que me trouxe muitas alegrias, satisfação e gratidão nos mais diferentes níveis.

Essa reflexão me leva ao assombro que sinto, e que talvez seja geral na comunidade científica brasileira. No momento nós vivemos mais do que um descaso com a política de ciência e inovação. Nós vivemos sob um governo que é CONTRA a ciência, em praticamente todas as esferas. Um governo que se pauta por um desdém do conhecimento especializado, e que toma iniciativas que vão claramente contra o progresso científico ou tecnológico nacional.

A razão do meu assombro traz um pouco daquela ingênua fé no ser humano e no conhecimento que eu tinha na minha juventude. O raciocínio é simples: se a ciência tem a solução para os problemas do país, para melhorar a vida de todos os cidadãos, por que ela não é abraçada ou empregada por nossas classes dirigentes?

A primeira resposta possível a essa pergunta traz um pouco de ceticismo: ora, as classes dirigentes não usam o conhecimento que melhoraria a vida dos cidadãos por que elas simplesmente não querem que a vida deles melhore. Por que colocam em primeiro plano seus planos de poder, seus interesses pessoais, acima do bem estar da população. O nome disso pode ser egoísmo, egocentrismo, mas de maneira simples esse comportamento, o de colocar-se acima do bem comum muito além do que seria razoável, pode ser chamado simplesmente de MALDADE. E eu não fui treinado para lidar com isso como cientista.

A segunda resposta que explicaria essa atitude inconsequente dos nossos dirigentes é que eles não usam ciência por simplesmente não a entendem. Mas em uma posição de liderança você pode se assessorar. São gastos muitos milhões de reais todos os anos para que nossos representantes possam se cercar das melhores equipes possíveis. Entendo que um senador ou um deputado não tenham obrigação de entender economia energética ou climatologia, mas eles têm os recursos para contatar os melhores especialistas em qualquer área. Se não o fazem, é por que não tem consciência nem da importância ou da existência desse tipo de conhecimento. O nome disso é ignorância, analfabetismo científico e, se formos considerar todas as oportunidades e recursos que um representante do povo tem às mãos no Brasil, pode ser chamado de BURRICE. E eu também não fui treinado para lidar com isso na minha carreira extremamente especializada. 

Dessa forma, nossa comunidade científica tem um enfrentamento muito difícil para os próximos anos. A Maldade e a Burrice de nossos dirigentes podem ser ou não um reflexo maior da sociedade, mas de qualquer forma são duas forças poderosas. E nós não estamos preparados para o seu enfrentamento. Mas elas devem ser superadas, sublimadas, convertidas ao nosso bem maior. O diálogo entre a classe científica e a classe política deve ser constante, e não apenas acontecer num momento de crise devastadora. Esse é o único caminho seguro para o desenvolvimento do país, e para que se atinjam melhores níveis na qualidade de vida e felicidade de toda a população. Para isso é necessário que nossa fé, nossa paciência, nosso amor pelo conhecimento sejam renovados a cada dia. O jovem, aquele jovem que decidiu ser biólogo há mais de vinte anos, ainda acha que é possível mudar o mundo - para melhor.

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