A Internalização da Ciência

Uma das coisas que percebi nos últimos debates que presenciei é uma dissociação de nossos dirigentes com a realidade. Entendo que seja natural que, ao assumir um cargo de chefia, de natureza administrativa, fiquemos um pouco desligados do mundo real, do cotidiano, do chão da fábrica. Mas o que vem acontecendo no campo da ciência não tem precedentes na história do país, e talvez em nenhum país no mundo ocidental moderno. Desmontar um investimento de quase vinte anos, com a fuga da nossa elite intelectual, fechamento de laboratórios e precarização indiscriminada do pensamento nacional...e o posicionamento dos nossos gestores é, no mínimo, tímido. O movimento que se observa é de mobilização da classe científica, bem limitado em relação ao resto da sociedade, e enquanto não houver reverberação na gestão pública o alcance é pequeno. O que acham os secretários de C&T? O que pensam os diretores das diferentes agências de fomento?

Um outro fato interessante é a dissociação entre nossas vanguardas e o cotidiano da classe. Nossos expoentes científicos têm renome mundial, reputação e atuação científica de altíssimo nível. Mas talvez justamente por isso seu discurso, suas preocupações estão a anos luz dos problemas do professor universitário que não tem dinheiro para comprar papel para imprimir seus relatórios, e que tem que levar papel higiênico de casa para fazer sua higiene pessoal na universidade.

Um exemplo sintomático é o debate sobre internacionalização da ciência brasileira, nos programas de pós-graduação. Concordo que a internacionalização da Ciência brasileira é uma meta que deve ser perseguida a médio e longo prazo, que a ciência brasileira é muito endogâmica e interage pouco com o mundo lá fora. O programa Ciência Sem Fronteiras foi tão revolucionário que o próprio país e nossas instituições não estavam preparados para ele. Mas nessa época de vacas magras, de desprestígio total, não é o momento de olharmos para dentro de nós mesmos?

Outro fato que sempre chamou minha atenção é como as grandes Universidades e Centros de Pesquisa brasileiros estão concentrados nas grandes cidades. E como isso difere do que vemos na Europa e nos Estados Unidos. Um sem número de universidades de ponta estão em pequenas cidades, aonde não só a vida é mais fácil e barata, mas aonde também pode-se exercer o pensamento com mais tranquilidade e distanciamento da barafunda das megalópoles. Isso tem um impacto enorme na qualidade da pesquisa, na formação dos jovens, na sustentabilidade do esforço acadêmico e, acreditem, nas economias locais. Universidades e Institutos de pesquisa movimentam a economia das cidades e as pequenas cidades favorecem o desenvolvimento das atividades acadêmicas. É um sinergismo que vem sendo trabalhado com sucesso em outros países há séculos. Não é a toa que São Paulo, o estado mais rico do país e com a comunidade acadêmica mais pujante, é o estado que mais investe nas universidades do interior.

O contraponto que tenho à mão, que é o Estado do Rio de Janeiro aonde moro e exerço minhas atividades de pesquisador, é desanimador. O Estado do Rio tem mais de 90 municípios. Quantos abrigam universidades de alto nível? Dá para contar nos dedos de uma mão. Estão praticamente todas na capital, com as louváveis exceções de Niterói (UFF), Seropédica (UFRRJ), Campos (UENF), Macaé (UFRJ). Que estão às moscas, ou à deriva, para não dizer coisa pior. Peço aos leitores desculpas, e que me corrijam nos comentários, se me olvidei de alguma outra instituição ou de algum campus avançado.


Ao mesmo tempo, nosso governador é de Barra de Piraí. Sem entrar no mérito de sua formação profissional, quantas universidades há em Barra do Piraí? Talvez uma ou outra universidade privada. E infelizmente nenhuma universidade privada brasileira tem destaque internacional nos rankings de excelência de ensino ou pesquisa. Sabe-se que a vida e a política são em grande parte locais. Teria o nosso governador o mesmo descaso com a UERJ se ela fosse na sua cidade? Se metade da população do seu município de origem ficasse três meses sem receber salário? Acredito que precisamos continuar a nossa interiorização do conhecimento científico, abrindo universidades e institutos de pesquisa no interior do Estado. Além de ser o melhor investimento possível para a nossa retomada econômica, esse será um capital humano e político que ajudará a preservar nosso capital acadêmico de intempéries políticas e intelectuais, do vazio de pensamento científico que infelizmente caracteriza nossa classe política atual. Como disse uma vez Dorival Caymmi, ¨imortal é quem cuida do seu quintal¨...

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