A Paciência e a Importância - parte 4

Pelos motivos já apresentados, creio que a repetição não é apenas necessária, mas também inerente ao trabalho científico. Dessa forma, é importante desenvolver no nosso cotidiano o senso de sobriedade frente ao novo, além de trabalhar os aspectos psicológicos na carreira científica que estejam relacionados à ansiedade e ao stress, que acabam por levar a comunidade científica (especialmente os mais novos) a uma corrida desenfreada pelo novo, em detrimento da valorização em um espectro de tempo e de espaço maior.

Esse é um problema extremamente complexo, que envolve não só o papel social e econômico da ciência, mas também seu desenvolvimento histórico e ideológico nas sociedades modernas. Seja como for, uma das maneiras de enfrentar um problema complexo é decompondo-o em questões menores e mais simples de enfrentar. É nesse espírito que gostaria de colocar algumas sugestões.

A primeira que gostaria de apresentar diz respeito à ansiedade dos jovens, que em sua grande maioria são alunos de graduação, pós-graduação, ou mesmo cientistas em início de carreira. Acredito que uma das razões para um sofrimento exacerbado no começo da carreira, e que leva um pouco à impaciência com a natureza rotineira do trabalho científico, é a falta de metas claras em cada estágio da profissão, especialmente no que diz respeito à sua produção científica.

Há inúmera razões para essa falta de clareza. Uma delas é a diversidade de áreas de pesquisa, cada uma com um tipo de produção e índices de produtividade próprios. É absolutamente inadequado usar a mesma régua para medir pesquisa em câncer e taxonomia de mosquitos, por exemplo. E o fazer de réguas dá um trabalho imenso, necessita de pessoas altamente especializadas que entendam a natureza do problema. Em geral que tem esse conhecimento está gerando artigos científicos, não fazendo análises reflexivas de sua área sobre a geração e impacto do conhecimento.

Outra razão é a natureza dinâmica das áreas de pesquisa. Um exemplo claro disso são as avaliações dos programas de pós graduação no Brasil. Elas são feitas atualmente a cada quatro anos. Isso significa que os índices que dizem se um programa de pós-graduação é bem sucedido, que em grande parte são o reflexo da qualificação e da produção dos quadros docente e discente, mudam a cada quatro anos. Em geral não há mudanças radicais, mesmo por que os cortes e as notas são feitos com base no quadro coletivo de cada área (que não costuma mudar tanto assim em período tão curto), mas isso é um sintoma claro de que o que era razoável há mais de vinte anos, quando eu era aluno, talvez não seja razoável hoje. E isso tem que ser discutido claramente entre alunos e professores, nem que seja para chegar à conclusão de que talvez, em uma certa área, nada tenha mudado. Quem tem tempo e paciência de fazer essa discussão todos os anos?

Um problema mais difuso talvez seja uma dose de idealismo, ou talvez mesmo atraso, que ainda existe nos nossos cursos. Ainda podem ser observadas discussões que contrapõem o produto ao processo, tentando evitar os arquétipos do produtivismo vazio ou do trabalho intelectual improdutivo. Como se produto e processo não fossem dois lados dialéticos de qualquer atividade humana. Por exemplo, são muito comuns cursos de graduação e pós-graduação nos quais disciplinas de Metodologia do Trabalho Científico, com a concomitante produção do TCC, monografia ou dissertação, são abordados apenas no final do curso. Imagino que a idéia por trás disso é que o aluno poderá escolher um tema para desenvolver apenas no final, quando tiver sido apresentado a todas as disciplinas. Mas por que não introduzir o problema desde o início, assim o aluno pode escolher sabendo o que tem que entregar no final? O processo não deveria ser contínuo, desde o começo?

Da mesma forma, a produção de artigos é pouco discutida com os alunos de pós-graduação. Sabe-se vagamente que há um mínimo de produção exigido (isso depende do curso), mas ferramentas ou iniciativas claras de discussão e instrumentalização dos discentes e dos docentes para essa tarefa são raras. São realizadas oficinas esporádicas, voluntárias. A escrita científica ou submissão de trabalhos dificilmente é uma disciplina obrigatória.

E outro ponto cruel com os novatos é que a régua, ou a meta, é sempre relativa. Entendo que a carreira acadêmica é competitiva e que a meritocracia é uma das bases do nosso progresso (importante ressaltar que é longe de ser a única ou a mais importante), mas não seria mais saudável deixar bem claro o que é suficiente, em vez de dizer que sempre os concorrentes podem estar produzindo mais? Quantos artigos um mestre deve publicar? E um doutor? Um, cinco, dez, cinquenta? A lógica do quanto mais melhor, ou dos concursos para bolsas e vagas meramente quantitativos nos leva a um grau de insanidade aonde os alunos não amadurecem, e a produção não recebe a atenção necessária para ser reflexo de um crescimento real no conhecimento da matéria por parte do pesquisador ou da comunidade.

A produção necessária, ou mínima, ou adequada, deveria ser um ponto chave nas discussões com os alunos. Tenho a impressão de que um componente ausente das discussões com os jovens é a empatia por parte de quem passou por isso há vinte, trinta, quarenta anos atrás. Empatia no sentido de acalmá-los e dizer: sim, você poderia ter publicado cinco, dez, vinte artigos no doutorado. Mas um artigo está bom, se ele realmente refletir o seu progresso como cientista e for uma contribuição genuína para a comunidade. É claro que os números e a natureza da produção mudarão radicalmente de acordo com o contexto. Além disso, eles embutem uma variação que raramente é discutida nos fóruns. Números sem especificidade e sem reflexão não servem, a longo prazo, para o progresso da ciência e da sociedade. Os programas de ensino e pesquisa científica devem urgentemente colocar isso em pauta contínua, repetitiva, dada a importância do problema para o nosso futuro.














Metas e Plano de carreira claros

Comentários

Postagens mais visitadas