A paciência e a importância - parte 3

¨Não há lugar para a sabedoria onde não há paciência.¨ (Santo Agostinho)

No texto anterior, discorri um pouco sobre a importância da repetição para a validação do conhecimento científico. Embora essa não seja a visão predominante sobre a profissão de cientista, o trabalho investigativo é extremamente repetitivo. 

Mas talvez haja uma razão fundamental para isso. Fenômenos científicos são repetitivos por natureza. A natureza é repetitiva, portanto a sua descrição também é. Padrões repetitivos são uma constante no universo, tanto no tempo como no espaço. No que se refere a seres vivos, por exemplo, a repetição ao longo do tempo pode ser vista através das gerações de indivíduos numa população. Também pode ser vista no exemplo diário de ritmos biológicos, que modulam a sua atividade dos organismos em praticamente todos os níveis. Não se conhece ser vivo que não se reproduza (ou seja, que não faça cópias de si mesmo) e que não tenha ritmos, ou seja, padrões recorrentes de atividade e repouso. A repetição em seres vivos também se dá no espaço, pois a sua estrutura é repetitiva no nível tecidual, celular, molecular, e até no nível populacional, dependendo da espécie. 

Outro fator que trouxe muita repetição para o trabalho científico é a profissionalização da carreira de cientista. Hoje os cientistas têm carteira de trabalho, férias, décimo terceiro salário, o que seria algo inimaginável há duzentos anos atrás. Com essa profissionalização e institucionalização não apenas se ganharam melhores condições, estrutura e massa crítica de especialistas para a ciência, mas também os fardos das metas, prestação de contas, competição por recursos. O cientista hoje é um profissional que lida com muita burocracia, muita regulação, muita cobrança, e isso certamente empurra muitos a apostarem em pesquisas rotineiras, com resultado garantido. Da mesma maneira que a sociedade vê um padeiro que faz pães, ou um marceneiro que faz armários, ela vê um cientista que publica artigos. De nada serve fazer meio pão, meio armário. Os resultados têm que ser palpáveis, mensuráveis e reconhecidos como importantes. Isso tem um reflexo direto no salário e nas perspectivas de carreira e, por mais que exista uma aura de excepcionalidade na figura do cientista, a comunidade científica é composta em sua totalidade por seres humanos que pagam aluguel, fazem compras, têm contas de água e luz, e às vezes têm até filhos!

Disso decorre que o trabalho científico atual é por sua natureza repetitivo, e que uma característica fundamental na carreira é a paciência e a disciplina. Sem dúvida, um conselho importante a ser dado aos jovens (até aos nem tão jovens também) é que tenham força de vontade e sejam MUITO perseverantes. Tanto quanto criatividade, genialidade, imaginação ou intuição, disciplina e concentração são fundamentais. E isso vai contra duas forças quase que incontroláveis: a pressão do mundo acadêmico profissional e a ansiedade típica da juventude (e dos nossos tempos). Não é a toa que uma fração considerável dos alunos de pós-graduação desenvolve problemas psicológicos. A saída para isso talvez passe por um ensinamento tão antigo e repetido que chega a ser lugar comum: sejamos pacientes, conosco, com os outros, com a nossa ignorância e com o nosso saber.





Comentários

Postagens mais visitadas