Definindo a vida

Uma das questões mais interessantes que me foi apresentada durante a faculdade diz respeito à dificuldade em se obter uma definição clara e concisa do que seria a vida. Algo que diferenciasse filosoficamente e de maneira fundamental a matéria inanimada dos seres vivos.

Uma das primeiras distinções que nos foi apresentada, que eu chamaria de definição informacional, era a propriedade que seres vivos têm de transmitir e processar informação, tanto do ponto de vista replicativo como pensando na capacidade de síntese e montagem de estruturas complexas a partir de um código pré-existente. Há duas fraquezas nessa tentativa. A primeira é o fato de que o fluxo de informação, tanto do ponto de vista estrutural como replicativo, não é exclusivo do seres vivos, visto o fenômeno de nucleação e crescimento de cristais. Ou mesmo a multiplicação de vírus de computador, ou a possibilidade de fabricação de máquinas capazes de produzir cópias de si mesmas. A segunda é que é difícil acreditar que o conceito de informação criado por seres humanos tenha o mesmo significado e as mesmas propriedades no nível atômico, molecular dos ácidos nucleicos. A idéia de informação é um conceito cultural, com significados e uma utilidade que talvez não existam para os outros seres vivos.

Uma tentativa de fugir desse problema, talvez fechando um pouco o cerco para ter uma circunscrição menos confusa do fenômeno vida, seria o que eu chamaria de definição estrutural. Podemos dizer que o que chamamos de seres vivos são essas entidades cuja estrutura se baseia em moléculas particulares, proteinas, açúcares, ácidos nucleicos e lipídeos, entre outros metabólitos compostos especificamente de carbono, nitrogênio, oxigênio, hidrogênio, fósforo, enxofre e outros elementos em menor quantidade. Mas essa idéia, além de não ter a beleza filosófica de reunir em uma qualidade simples todos os organismos, peca por estar em confronto constante com questões corriqueiras. Um organismo morto é composto em maior parte (claro, isso depende de seu estado de decomposição) das mesmas moléculas, por exemplo. E até o estudioso mais ingênuo sabe que seres vivos vão muito além de agregados de biomoléculas.

Nesse ponto pode-se mencionar a existência de propriedades emergentes, aquela condição em que o todo (que poderia ser a célula, o organismo) excede a reunião das partes, e dizer que talvez uma propriedade única dos sistemas biológicos seja a existência de níveis de organização estrutural e funcionalmente específicos, como o molecular, celular, tecidual, até o nível de população e ecossistema. Mas isso pode não passar de uma armadilha, pois podem-se destacar níveis de organização e leis emergentes na matéria inanimada, como também pode-se dizer que esses níveis decorrem apenas da nossa maneira de enxergar a natureza, e provavelmente têm mais a ver com a forma como nos apropriamos do universo do que com suas propriedades intrínsecas.

Uma idéia tentadora, que caminha junto com a existência de propriedades emergentes, é a de que os organismos vivos poderiam ser definidos como a Matéria com História, no sentido de que suas propriedades podem ter sido determinadas por eventos precedentes, tanto no sentido de limitações estruturais como no sentido evolutivo de descedência e plano ancestral. Mas essa idéia aparentemente se choca com um pressuposto incontornável do nosso saber, o fato de que partimos do princípio de que as propriedades intrínsecas da matéria em nosso universo não sofreram alterações perceptíveis desde o princípio do tempo. O que nos leva a crer em uma diferença de princípios entre a matéria orgânica e a inorgânica, que sabemos ilusória. É muito provável que a única diferença real nesse aspecto é que a história dos seres vivos, em termos da definição de suas propriedades básicas, pode ser acompanhada ou imaginada por nós com uma maior proximidade em relação à formação do universo inorgânico.

A questão de fundo é que a ausência de uma definição simples sobre o que é um ser vivo remete ao pouco domínio, tanto conceitual como prático, que temos sobre a natureza, e à iminência de sua perda. A vida é uma maravilha infinita sob todos os aspectos, e por mais que filósofos, poetas e cientistas tentem cristalizá-la no domínio do conhecimento, estar vivo e observar outros seres continua uma experiência complexa, indescritível, quase intangível. Novas formas de conhecimento terão que surgir para que possamos saber completamente o que é essa corrente de matéria e energia que passa por dentro de nós, nesse emaranhado infinito de seres. 

Comentários

  1. Compilei algumas definições de vida aqui:
    http://genereporter.blogspot.com.br/2010/12/its-alive-its-alive.html

    http://genereporter.blogspot.com.br/2012/01/its-alive-its-alive-2.html
    ---------

    []s,

    Roberto Takata

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