A morte e as contradições do saber

¨Não se pode olhar fixamente para o sol ao meio dia ou para a morte.¨ (La Rochefoucauld)

Uma das características básicas da sociedade ocidental moderna é a negação da morte. É muito comum viver sem pensar em nossa finitude. Quantas teologias não se apoiam na crença de uma vida infinita, de uma alma imortal, ou mesmo no retorno ao mundo dos vivos sob outra forma? A frase de La Rochefoucauld ilustra belamente essa situação. Mas isso por si só já parece um contrasenso do ponto de vista filosófico, pois sabemos o quanto definicões por negacão podem ser pobres, e como definições por afirmação refletem melhor a realidade do universo e são mais produtivas...

Além disso, a sociedade ocidental é fortemente embasada no conhecimento técnico, que nos diz que a morte dos seres vivos é um fato absolutamente necessário para o equilíbrio da natureza. E o conhecimento nos diz que, pelo menos nesse aspecto, seres humanos são muito semelhantes aos outros seres vivos. Nós fazemos parte de uma corrente quase que interminável de matéria e informação. Nossos átomos farão parte de outros organismos, da mesma forma que fizeram parte há milhões de anos de dinossauros ou outras formas antigas de vida. Nossa vida, em termos de informação genética e cultural, continua pelas gerações futuras. Dessa forma, enxergar a morte de um indivíduo como o fim da vida da qual este fez parte é altamente ilusório, por que a vida em si transcende a individualidade. O conhecimento nos diz que a vida é uma decorrencia natural das propriedades da matéria. Nas palavras de Christian de Duve, um imperativo cósmico. Apesar disso, conhecimento e sentimento ainda se chocam, porque o sentimento da perda destaca a individualidade única e insubstituível do ser humano. E estar vivo, sentir-se vivo é a maior das maravilhas. Evoluímos fortemente nessa direção, por que obviamente seres que se sentem felizes de estarem vivos têm mais chance na batalha da vida.

A vida é cíclica e linear, sendo contraditória e dialética. Cíclica por que morremos para que outros venham e por que não se esgota em nós mesmos. Mas a nossa vida tem começo, meio e fim. Um dos grandes desafios dos filósofos do futuro provavelmente será encontrar uma maneira de fazer com que a sociedade e o homem técnicos, científicos e racionais se reconciliem com a sua finitude.




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