A produção científica brasileira - um balanço preliminar de 2018
Há várias maneiras de se medir a produção de
conhecimento por um país e uma sociedade. A produção de conhecimento é
fundamental para o bem-estar da população, pois há décadas o conhecimento é o
maior ativo econômico, sendo não apenas o propulsor da atividade econômica mas
também um ativo importante para a maioria dos países. Não é a toa que alguns teóricos
das áreas de gestão e economia denominam nossa época como a Era do
Conhecimento, ou a Economia do Conhecimento. Conhecimento é dinheiro, é poder,
é bem estar para a população de um país.
Assim sendo, há muito interesse em monitorar a
produção de conhecimento pelos diferentes países, setores e áreas de estudo.
Uma das maneiras de se medir o conhecimento produzido por um país é pelo número
de artigos científicos. Há muita discussão a respeito de medidas da qualidade
do conhecimento, e do seu impacto sobre a economia, mas o quantitativo bruto
não deixa de ser a ferramenta inicial para qualquer tipo de discussão ou diagnóstico
a respeito.
O Brasil acaba de passar (se é que passou, mas
sejamos otimistas) pela maior crise econômica de sua história. É claro que essa
crise teve impacto em todos os setores de atividade, com diferentes
intensidades e dinâmicas temporais. O efeito na produção científica costuma ser
retardado, pois artigos científicos demoram anos para serem publicados, em função
da coleta de dados, análise, discussão, escrita e revisão. Mas, infelizmente,
se olharmos os números de 2018, podemos ver que a crise já começou a derrubar a
nossa produção científica, com uma queda na produção de cerca de 6%:
Figura 1 - Número de artigos científicos com participação brasileira catalogados na base de dados Web of Science.
O efeito da queda de produção de conhecimento é
avassalador, tanto do ponto de vista econômico como social. A economia fica
menos competitiva, criam-se menos oportunidades de negócios, o mercado de
trabalho e o próprio mercado consumidor ficam menos qualificados e competitivos
para a produção e consumo de novos produtos e tecnologias. Do ponto de vista
social, tende-se a um aumento de desigualdades sociais e a uma fragilização dos
sistemas de amparo e proteção dos diferentes estratos sociais, com efeitos
perversos na saúde pública.
Se olharmos as quatro maiores áreas do
conhecimento científico aonde o Brasil produz conhecimento, temos diferentes
dinâmicas e respostas à crise:
Figura 2 - Número de artigos científicos com participação brasileira catalogados no banco de dados Web of Science, nas áreas de Engenharias, Bioquímica e Biologia Molecular, Ciência de Materiais e Saúde Pública.
A maior área, a de Engenharia, parece ter sido
fortemente afetada, com uma queda de mais de 40% nos artigos publicados. Isso é
extremamente grave, pois as engenharias são ciências diretamente ligadas à indústria
e outras atividades produtivas que são fundamentais para a economia do país. A
área de Bioquímica, segunda maior, teve uma queda de 25%. Isso também é
fundamentalmente grave, pois essa área é conectada ao desenvolvimento da indústria
agropecuária, médica, farmacêutica e biotecnológica, entre outros setores que
são importantes na economia e estratégicos para o bem estar da população.
A terceira maior área na qual o Brasil de
destaca é a de Ciência de Materiais. Nesse setor observamos uma queda de cerca
de 9% em relação a 2017, o que também é alarmante, visto que essas ciências
estão ligadas a setores fundamentais da nossa economia, como a indústria química.
É importante destacar que nesse caso a queda não se diferencia muito de
oscilações históricas, pelo menos num primeiro olhar. É possível (e eu torço
para isso) que seja um falso alarme.
A quarta maior área, a de Saúde Pública,
praticamente não teve variação. É possível que isso tenha ocorrido por que o
tempo de gestação de artigos na área é maior do que nas outras, vista a necessidade
em muitos estudos de obtenção de licenças das autoridades, reunião e
acompanhamento de coortes de indivíduos, processos que podem levar 2, 5 ou até
10 anos, dependendo da condição estudada.
O estrangulamento dos recursos destinados à Ciência
e Tecnologia, observado nos últimos anos, continuado em 2019 e sem perspectivas
de melhora, está começando a mostrar os seus resultados. É absolutamente
imprescindível que nossos gestores e a comunidade despertem para isso e façam
um movimento de reversão do quadro. As consequências para a sociedade
brasileira tendem a ser as piores possíveis, e ainda há tempo de evitar o pior,
que seria o colapso das nossas redes de pesquisa.
Eu percebo que muito da discussão sobre as
políticas de cada governo se dão em função de expectativas, pressupostos ou
convicções. Nesse caso eu chamo a atenção para resultados e fatos concretos. A
queda na produção científica brasileira é uma tragédia anunciada, com
implicações muito negativas na nossa economia e no bem-estar de toda a população que são
praticamente impossíveis de mapear completamente. Independentemente das causas
do fenômeno, é preciso tomar atitudes urgentes e enérgicas para mudar essa
situação, e recolocar o Brasil no ciclo virtuoso da
pesquisa-inovação-crescimento econômico. Fica aqui o alerta!
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