Cell life (I) - uma derrota

 



HISTÓRICO


O quadro "Cell Life" foi feito logo após "Atom Dusk", na série que foi produzida durante a quarentena de 2020. Ele foi finalizado em Outubro. 


O CONCEITO

 

O objetivo inicial de "Cell Life" era representar uma idéia e um sentimento. A idéia - ou conceito - é o da celularidade dos seres vivos. Ou seja, a proposição (que viria a se tornar um fato inconteste) de que todos os seres vivos são compostos por subunidades estruturais e funcionais diminutas, denominadas posteriormente "células". A observação de uma grande gama de seres unicelulares não chega a constituir uma exceção a essa regra, sendo apenas a sua redução máxima. Uma exceção seria conhecida mais de um século depois das primeiras descrições das células, com  a descoberta dos vírus - organismos que se resumem a partículas muito reduzidas e que parasitam outras células, aproveitando a estrutura e a maquinaria celular do hospedeiro. O que não deixa de ser uma redução do mesmo conceito. Um grande problema é que os seres vivos não costumam se comportar estritamente de acordo com os conceitos dos cientistas...


O sentimento, que é uma experiência particular de quem se dedica ao estudos biológicos, é o de assombro, maravilha, estupefação. Há poucas coisas mais fascinantes, ou mesmo hipnotizantes, do que observar a estrutura de células no microscópio. Não tenho dúvidas de que é sempre uma visão marcante, deslumbrante mesmo, para todo aluno ou profissional que se dedica ao estudo da vida. Eu não consigo me lembrar do momento exato em que vi células no microscópio pela primeira vez, mas a experiência de ver células animais, vegetais, protozoários e fungos pela primeira vez sem dúvida me marcou e tenho essa "memória sentimental" das aulas de anatomia e taxonomia muito vívida até hoje.


Imbuído desse propósito, e dando continuidade aos desenhos com padrões "quase repetitivos" desenvolvidos nos quadros anteriores (especialmente "Blue Life", "Everything is Connected",  "Red Alpha" e "Yellow Beta"), desenhei o que seria um retículo de unidades "celulares". Preenchi os espaços entre elas com uma cor neutra, o que me fez pensar muito na questão do espaço extracelular, que é uma dessas coisas da biologia que dá um nó em muitas filosofias pela sua natureza dialética. O espaço extracelular claramente faz parte do organismo em espécies maiores e mais estruturadas, mas em espécies com poucas células ou pouca organização tecidual às vezes é difícil distingui-lo como uma estrutura ou meio de composição definida. E ele não existe em organismos unicelulares, o que traz a derivação de que, além da questão de diversificação funcional, o espeço extracelular também é uma conquista ou ganho da multicelularidade. É algo que em algumas situações faz e não faz parte do organismo, ao mesmo tempo...


O maior trabalho que tive com "Cell Life" foi justamente preencher esse espaço, o que me fez lembrar de todas as questões fisiológicas e bioquímicas envolvidas na manutenção desse meio. Após "conquistar" o espaço extracelular, decidi pintar as células de diferentes tonalidades, com o objetivo de representar, além da distinção funcional que ocorre nos seres multicelulares, o maravilhoso fato de que em mesmo organismo há células nos mais diferentes momentos de seu ciclo - ou vida celulas. Há células quiescentes, ativas, nascendo e morrendo o tempo todo, formando um mosaico único e maravilhosamente complexo e dinâmico.


Quando terminei, não pude conter minha decepção. Nada do que eu imaginei estava representado nessa figura. Olhando o desenho de perto, enrolando o papel para que ele forme um cilindro, tem-se um pouco da impressão que eu queria causar. Mas por alguma razão, o desenho em seu estado "normal" não reproduziu, pelo menos para os meus olhos, essa experiência hipnotizante que se tem ao microscópio. Foi inevitável lembrar da linda descrição de Albert Szent-Gyorgi, ganhador do Prêmio Nobel de 1937 pela descoberta da Vitamina C:


¨I started with anatomy then shifted to function, to physiology and studied rabbits. But then I found rabbits too complicated and shifted to bacteriology hoping to find the secrets of life in those very small, tiny creatures. But later I found bacteria too complicated and shifted to molecules and began to study chemistry and a few years after the war I was even condemned to be the Professor of Chemistry and taught chemistry for many years.


About 15 years ago I found molecules too complex and then I shifted to electrons, what they call quantum mechanics - the behaviour of electrons. So I went through the whole gamete of organisation which was a vain effort so to say, because in the end I ended with electrons which have no life at all - molecules have no life - so life ran out between my fingers actually while I was studying it, trying to find it. But I don't think it was in vain because to understand life one must understand electrons too - and molecules and cells and even whole animals or people.¨



PARA SABER MAIS


Célula

Desenvolvimento da Biologia Celular Moderna

Ciclo celular




MATERIAIS


Papel de desenho A4 (Renauld Branco, 180g/m2). Linhas com caneta nanquim 0.7 mm. Cores com lápis de cor SuperSoft Faber Castell. Dimensões: 210mm x 297mm.


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