2019, O ANO DO BURRO



É possível fazer algumas leituras diferentes de 2019. Para o laboratório e para mim foi um ano positivo em muitos aspectos. A ciência carioca recebeu um sopro de vida com o ressurgimento da Faperj. Grandes projetos internacionais foram conduzidos no laboratório e os resultados são muito animadores. Contudo, é difícil fazer um balanço geral de 2019 sem sentir uma certa amargura.

Eu tenho dificuldade de me livrar de uma sensação pesada, de ter perdido muito tempo com política, notícias falsas e meias verdades, agitação e factóides. E fico com a sensação nítida de que um marco negativo de nosso tempo, do qual 2019 foi um ano muito ilustrativo, é o da perda de interlocução. Parece cada vez mais difícil participar de um debate de qualidade, construtivo ou mesmo prazeroso, sobre qualquer tema que seja mais sofisticado ou que necessite certo aprofundamento.

Eu consigo perceber pelo menos três razões para essa tendência infeliz. A primeira é o retardo generalizado. Além da opinião sarcástica de que a humanidade vem num processo de emburrecimento contínuo desde Tales de Mileto, a burrice hoje é palpável, visível, causa dano. Num mundo dominado pelo acesso fácil à informação, a ignorância é indiscutivelmente o maior dos pecados. E hoje há pessoas que não tem medo nenhum do inferno, e bradam aos quatro cantos que a gravidade não existe e que a terra é plana. Independentemente do referencial místico, uma pessoa que se afasta da verdade da natureza estará presa aos demônios de toda sorte. O burro contemporâneo é orgulhoso, cheio de certezas e de referências burras. Como se não houvessem falsos profetas, charlatães e interesseiros vendedores de falsas verdades, adultos com a ingenuidade de uma criança compram terrenos na Lua, tratamentos inócuos, bilhetes falsos para a felicidade e auto afirmação. E isso destrói qualquer possibilidade de diálogo ou de debate interessante, pois se os possíveis interlocutores não falam a mesma língua, ou não concordam com o mínimo de realidade necessário para o entendimento, não há o que conversar.

A segunda é a radicalização dos debates, que leva a uma personalização excessiva das discussões. Frequentemente presta-se muito mais atenção ao mensageiro do que à mensagem. Em outras palavras, dá-se muito mais ênfase a QUEM está falando do que ao QUÊ está sendo propriamente dito. Isso é deprimente por pelo menos duas razões. A primeira é que mostra que o que se busca é adesão, autoafirmação, e não reflexão. A segunda é que revela que muitas vezes o ouvinte não entende ou não está prestando atenção ao que está sendo dito, adotando a identificação pessoal como ferramenta de validação do discurso. Dessa forma, também é impossível haver debate valoroso sobre qualquer assunto, já que o que está em discussão são afinidades pessoais e não as idéias.

A terceira razão é o fato de que cada vez mais estamos vivendo em bolhas midiáticas. Consumimos as notícias que nos interessam, interagimos com pessoas que concordam conosco, recebemos informação de acordo com nossos gostos pessoais, escolhidas por algoritmos que têm o objetivo de fidelização, prazer e entretenimento. Dessa forma, é claro que somos cada vez menos expostos ao debate pessoal frutífero, prazeroso, aonde aprende-se pelo confronto. Entre iguais não há por quê haver discordância.

Apesar de tantos aspectos negativos, ainda tenho esperança de que 2020 nos guarde muitas coisas interessantes, novidades mesmo, muitos caminhos e discussões valiosas sobre quem somos, de onde viemos, para onde vamos. Que o próximo ano seja para todos de menos interjeição e mais interlocução!


Comentários

Postagens mais visitadas