Ciência para quem?




Os sábios acumulam conhecimento,
mas a boca do insensato
é um convite à ruína.
Provérbios 10:14




Um dos temas mais caros para a comunidade acadêmica nos últimos anos é o da divulgação científica. Isso se deve ao fato de que nunca, na história recente do nosso país, a ciência se sentiu tão desprestigiada. O governo reduz as verbas para pesquisa há pelo menos quatro anos seguidos, e as vozes não-científicas, ou que são abertamente contra o conhecimento, são cada vez mais numerosas e têm mais visibilidade.

A diminuição de verbas para pesquisa é algo que é muito difícil de aceitar, e até de compreender. Qualquer pessoa com um mínimo de discernimento, ou de conhecimento técnico, sabe que o ÚNICO motor do desenvolvimento econômico, desde a Revolução Industrial, é o conhecimento científico. Esse é tema para outra postagem, mas desse raciocínio deriva a possibilidade assustadora de que nossas elites, política e econômica, talvez não tenham mesmo esse mínimo de conhecimento necessário. Para piorar, esse assombro acontece em um país aonde o nível de educação científica da população é baixíssimo, basta apenas ver os rankings de nossos estudantes nas comparações internacionais.

E desse descompasso, dessa desilusão, surge a ilusão de que se disseminarmos o conhecimento científico poderíamos de alguma forma virar esse jogo. Minha impressão é de que, aqui, não devemos apenas tomar cuidado com as expectativas e possibilidades, mas repensar completamente as nossas estratégias. É verdade que divulgação científica, educação científica e marketing são completamente diferentes, mas essas áreas não poderiam aprender umas com as outras? O caminho que quero discutir aqui é o que nós, comunidade acadêmica preocupada com a divulgação do conhecimento, poderíamos aprender com os profissionais do mercado.

Um ponto que me parece crucial nessa discussão é o da segmentação do ¨mercado¨ de divulgação. É claro que qualquer profissional da área de divulgação sabe disso, e define sempre antes seus objetivos e seu público alvo. Mas tenho a impressão de que a maioria de nós, que quer divulgar idéias científicas, não tem clareza em relação a isso. A própria comunidade de uma maneira geral não mostra isso. Qual é a prioridade? Conscientizar a população? Educar as crianças? Mobilizar a classe política? É claro que essas demandas não são excludentes, mas as ferramentas que são eficientes em um caso não o serão nos outros. Não é com textos ou vídeos de divulgação geral que se mobilizam políticos. Não é com militância que se educa cientificamente ou se conscientiza alguém de um conhecimento específico.

Acredito que nos próximos anos teremos um embate crucial, e é preciso que trabalhemos com o público alvo e as ferramentas certas. No caso da mobilização política, o que me parece ser um erro é o de escolher com qual tipo de político se quer dialogar antes de qualquer iniciativa. Não são apenas os deputados e senadores de uma bancada especifica que precisam ser conscientizados do problema, sejam eles de uma bancada progressista, ligada a um setor econômico ou financeiro, ou a uma prática religiosa. Todos devem ser mobilizados em prol da ciência. É um erro crasso achar que a ciência rivaliza com direitos individuais, progresso econômico ou crenças religiosas de forma geral. Podem ser encontradas divergências específicas, em pontos muito pequenos, mas o progresso científico de forma geral traz o bem-estar, e isso apenas favorece qualquer prática da sociedade.

Em outros termos, é preciso convencer as bancadas do boi, da bala, evangélica, LGBT, dos banqueiros, seja lá quais mais existirem, de que investir em ciência é importante. E é aí que os princípios do marketing têm que ser aplicados diligentemente. Os argumentos para cada público serão diferentes, as ferramentas de contato também. Eu pessoalmente acho que nesse caso textos de divulgação geral não atingem a raiz do problema, é preciso convencimento direto, de forma a capitalizar os anseios de cada um. O que a ciência tem a acrescentar para cada uma dessas bancadas? Ressalvadas diferenças de princípios, não há dúvidas de que a classe política depende e se preocupa com os humores da população em geral. E nesse caso, portanto, é preciso criar uma agenda de convencimento geral, e agendas específicas, que tragam os nossos representantes para o lado da ciência.

Esse de fato é um desafio espinhoso, pois a criação de uma agenda que seja relevante para os dois lados depende exclusivamente de diálogo e de troca. E o contato que a classe acadêmica tem com os representantes políticos de forma geral é mínimo. Dessa forma, antes de mais nada, é preciso criar canais. Há quem ache que se possa partir para algo como representação direta, trazendo os problemas diretamente para a população, ou que se possa fazer intervenções cirúrgicas, com representantes chave. Infelizmente não acredito em nenhuma das duas coisas. Em relação à primeira, o problema é o da urgência. Precisamos que seja alterado o orçamento desse ano, do ano seguinte, e fazer isso indiretamente através da população toma tempo. No segundo caso, acho que o problema é realmente de nossa época – a ojeriza à ciência não é pontual, é sistêmica.

Talvez em função disso tenham-se criado movimentos com o objetivo de se criar uma bancada científica, elegendo cientistas. Eu até acho isso interessante, mas não vejo viabilidade nesse tipo de iniciativa, por duas razões principais. A primeira é que a comunidade acadêmica é extremamente minoritária na nossa sociedade. A segunda é que as práticas política e científica diferem em algumas cláusulas pétreas que parecem inconciliáveis. Um exemplo é o de que em política é necessário mentir. E em ciência não se pode fazer isso de jeito nenhum. Seja como for, a classe científica precisa se aproximar de nossa classe política com urgência, de forma maciça e constante, à altura do problema. O futuro do país depende disso mais do que nunca. Espero que tenhamos sucesso nessa nova empreitada, com o desenvolvimento de novas ferramentas, hábitos e esperanças.

Enfim, depois de tanto tempo sem escrever por aqui, espero que tenham gostado. Quem tiver exemplos, críticas ou sugestões por favor poste nos comentários. Um grande abraço a todos!

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