A Natureza Perdida


Às vezes relembro como tantas divisões ou distinções que fazemos são arbitrárias, refletindo apenas a opinião, a crença ou até, dependendo da escala, o conhecimento de homens e épocas. Um exemplo que me parece clássico, e que até hoje é tão presente em nossas maneiras, é a falsa divisão que se fez entre o conceito de homem e de natureza, no sentido de mundo natural. A própria palavra natureza, ou natural, remete a algo não modificado pelo homem, e a palavra humano remete a algo especial, dentre as outras coisas terrestres.

Eu comecei a descrer dessa aparente separação quando comecei a estudar Biologia na graduação. Cada vez mais o ser humano me aparecia como apenas mais um organismo, e cada vez mais as construções humanas, por mais arbitrárias e artificiais que fossem, pareciam para mim parte do mundo natural. Se considerarmos o homem como apenas mais uma espécie do mundo natural, qual é a diferença entre uma grande cidade e um formigueiro? Ou alguém acredita que as sociedades humanas fogem a todas as leis que regem os sistemas biológicos?

Hoje não acredito mais nessa divisão, mas também tenho consciência de que o ser humano tem as suas particularidades, entre os sistemas biológicos. Na verdade, e isso se aplica a quase tudo, as divisões e limites tem muito mais a ver com o nosso processo de descrever e entender o mundo do que com o mundo em si mesmo. Isso por que muitas vezes a natureza é contínua, interconectada, infinitamente variável. Como definir o que é humano? Como chamar algo de natural ou de artificial? Eu creio que essas divisões nos desviam de algumas questões subjacentes, que parecem tão mais importantes do que essa discussão vocabulária.

Às vezes quando definimos algo como natural queremos descrever algo que queremos ver livre da influência do homem, vista como prejudicial ou danosa. Ou seja, o que está nas entrelinhas é que temos que decidir que mundo queremos, e até onde o homem deveria participar dessa construção. E por outro lado, quando queremos jogar fora esses conceitos, o que se deve procurar é na verdade apenas uma melhor descrição e entendimento da realidade que nos cerca. E é impossível discutir essas duas questões sem levar em conta o posicionamento político, econômico e social dos discursos.

Seja como for, não é completamente equivocado olhar para o conjunto de arranha céus do centro de São Paulo e ver isso como parte da natureza, pois é fruto de atividade de uma espécie biológica. E também não é completamente equivocado tentar entender nossas ações, como por exemplo a arte e a ciência, como frutos de um organismo com necessidades fisiológicas e história evolutiva como qualquer outro. Haverá o perigo enorme das simplificações e da inexatidão. Mas creio que, com o conhecimento avassalador da complexidade do universo e a confusão associada à miríade de conceitos que são novos a um pensamento e linguagem antigos, perdemos ao mesmo tempo tantas certezas que a falta de definição simples de natureza e de humanidade são males da nossa época. Talvez, no futuro, novas maneiras de pensar possam resolver essa dicotomia...



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