Purificação de proteínas


Estamos tendo problemas para purificar uma enzima especialmente recalcitrante. O mais divertido da história é que a purificação não é difícil devido a alguma propriedade intrínseca dessa enzima, mas sim porque ela está acompanhada no material inicial e durante a purificação de várias atividades proteolíticas. O que me faz pensar que há propriedades biológicas de uma molécula que são definidas por quem está com ela, se é que faz sentido falar nisso...

Seja como for, a situação me fez lembrar de um antigo dilema, enfrentado desde o início da pós-graduação. É a aparente dicotomia entre uma abordagem que eu chamaria de mais racional, e outra que eu chamaria de instrumental. Na abordagem racional, tentamos entender as características da proteína, e partindo disso tentamos desenhar uma marcha de purificação. Na abordagem instrumental, submetemos a amostra a todas as técnicas possíveis, todas as combinações possíveis, e vemos qual dá certo.

É um pouco frustrante perceber que a abordagem racional não funciona, pelo menos atualmente, pois não temos condições de prever como uma enzima - e para piorar a questão, também os contaminantes - vai se comportar ao ser submetida a um processo de purificação. É possível fazer algumas previsões, mas muito simples, muito afastadas do que seria necessário para desenhar a marcha ideal desde o princípio.

Entretanto, isso faz todo o sentido se pensarmos no todo como um processo cíclico e interativo, pois também durante a purificação obtemos uma série de informações sobre a proteína de interesse. Nesse contexto, a purificação se torna mais interessante como processo, e menos como objetivo. Pois as informações obtidas durante a marcha serão usadas no futuro, não só para o desenho de novas marchas, mais eficientes, mas também para ter uma compreensão inicial das características moleculares e do papel fisiológico da molécula. Como exemplos mais óbvios posso citar massa molecular, ponto isoelétrico, presença de isoformas.

Assim sendo, a abordagem que nos resta é a que eu chamo de instrumental ou combinatória. Sem muita racionalização, testam-se todas as técnicas disponíveis para o primeiro passo. Escolhe-se o melhor. Depois, testam-se todas as técnicas disponíveis para o segundo passo, e assim por diante, até chegar em um material homogêneo com um rendimento satisfatório. Não é muito bonito do ponto de vista teórico, chega a ser uma renúncia à nossa última intenção de conhecer e dominar a natureza, mas é o que funciona.

Ou seja, a base de um bom estudo nessa área é muita, mas muita experimentação, e muito trabalho de bancada. Quem pode reclamar disso?

Comentários

Postagens mais visitadas