A paciência e a importância - parte 7

¨O temor do Senhor é o princípio do conhecimento; os loucos desprezam a sabedoria e a instrução.¨ (Provérbios 1:7)


A obsessão pelo novo na ciência, além de ter criado uma crise de reprodutibilidade, pode ser responsável em parte pela diminuição da importância política e ideológica do pensamento científico nas sociedades ocidentais. Não só a produção do conhecimento científico busca a originalidade acima de qualquer preço, mas também educadores, divulgadores e defensores da ciência também enveredam por essa linha de pensamento. E ao mesmo tempo em que temos países preparando missões espaciais de longo alcance, desenvolvendo curas para câncer e AIDS, aqui nós temos um governo que sufoca a produção científica e tecnológica, e a sociedade simplesmente não se sensibiliza. E acredita que a terra é plana e que Deus cuidará do Brasil para sairmos da crise.

Eu às vezes tenho a impressão de que caímos em uma armadilha. A ilusão é de que anunciando cada vez coisas mais novas e fantásticas atrairíamos o interesse da população e das classes dirigentes, quando muitas vezes o que acontece é o contrário. Um fator bastante importante nessa dissociação é o baixo nível de entendimento científico geral. Por mais atraente que seja o conhecimento, se o interlocutor não possuir os significados básicos para o seu entendimento não haverá a mínima conexão entre as partes. E nesse sentido temos problemas de vocabulário e conceitos. Nós precisamos repensar a educação e divulgação científica e trazê-la para a realidade do povo. Os cientistas brasileiros precisam ler mais Paulo Freire.

Outro ponto importante é que por mais que se propagandeiem novidades, o amor e o bem estar da maioria dos seres humanos está ligado à rotina e à repetição. O cientista profissional está completamente viciado na prática da descoberta, e para ele encontrar coisas novas é uma situação de estímulo e alegria por que ele foi treinado para isso. Mas a maioria das pessoas, embora tenha uma certa curiosidade natural, não gosta muito de coisas novas na sua rotina, por que novidades realmente boas são raríssimas. A maioria das novidades do dia a dia, ou pelo menos na mídia, é ruim. E a rotina, a repetição de acontecimentos agradáveis e previsíveis é um dos mecanismos mais pungentes de bem estar e felicidade. É por isso que todos têm suas músicas preferidas, comidas preferidas, amigos preferidos, livros preferidos, programas de televisão, e assim por diante. O maior exemplo disso é a Bíblia, um livro que não muda há séculos ou milênios, mas que continua sendo fonte de inspiração para milhões de pessoas Brasil afora. Muita gente prefere ler a Bíblia pela centésima vez a ler as últimas novidades técnicas sobre a doença que a está matando. As pessoas em geral gostam de estabilidade e previsibilidade.

Uma contradição que precisa ser trabalhada, em todos os níveis, é o fato de que a própria rotina das pessoas, no Brasil urbano e moderno de hoje, depende quase que exclusivamente de conhecimento técnico-científico altamente especializado. Mas a bandeira do conhecimento científico peca pelo reforço de possibilidades fantáticas, das novas drogas, novos meios de transporte, novas fontes de trabalho e emprego, riqueza e bem estar. Nesse meio tempo, as pessoas estão mais preocupadas com o sol da tarde, com o bife do almoço, o suco de laranja de manhã, ou com a chuva do fim de semana. E ficam sem saber que coisas básicas de sua qualidade de vida, como a água, alimentos, até a qualidade do ar que respiram e do clima aonde vivem, estão intimamente conectadas com um patrimônio científico que está em perigo. Ninguém se sente ameaçado, até a próxima epidemia. E a morte da sociedade brasileira tende a ser lenta e a começar pelos pobres e desvalidos. Ou seja, será uma morte sem visibilidade.

A ciência precisa voltar a ser o porto seguro das inquietações da sociedade, e deixar de ser um portfólio de curiosidades episódicas de valor decorativo. E grande parte das inquietações da sociedade são as mesmas, desde que o homem surgiu no planeta Terra. Está na hora de voltar a responder a esses questionamentos, por mais repetitivo que seja o diálogo. O vazio deixado pelo anúncio e busca do novo, que é a explicação não científica do velho, está matando a ciência brasileira nas suas raízes, que são a vontade do povo.


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