A Morte da Ciência no Brasil

Há alguns dias, recebi um email que me desconcertou. Estou acostumado a avaliar todos os anos pedidos de bolsa de Iniciação Científica, que é um dos primeiros passos na formação de um cientista ou profissional da área científica e tecnológica. Este ano recebi o comunicado: agradecemos sua disponibilidade, mas não tivemos pedidos para avaliar na sua área. Eu trabalho com vetores de doenças como Dengue, Leishmaniose e Chagas. Problemas que estão muito longe de serem resolvidos e que afetam dezenas de milhões de pessoas no país. Como assim não houve pedidos?

Podem ser feitas muitas leituras desse fato, mas a que eu posso fazer, baseada na minha experiência, é que as pessoas estão simplesmente desistindo. Estamos todos cansados da crise. Há o fato ridículo de não termos nenhum fomento à pesquisa pago no Estado do Rio de Janeiro desde 2015. Se não há recursos materiais no laboratório, como manter os estudantes? Então é melhor nem pedir a bolsa.

O corolário dramático dessa situação é simples. A ciência brasileira está morrendo. Vou poupar os amigos e colegas da longa lista de profissionais de primeira linha que se foram nos últimos anos, pelos mais diversos motivos. Eles estão sendo repostos à altura? Eu penso nos meus anos de formação e percebo como tudo foi tão longo e difícil. E eu tive todas as oportunidades. Comecei a me interessar por ciências com algo em torno dos 9 anos, e assumi o cargo de pesquisador com 30. São 21 anos de formação. Trabalharei com saúde até os 70, talvez. São 20 anos de estudo para 40 de prática profissional remunerada. Vale comentar que nem todos os colegas têm a mesma sorte que eu tive, e começam a montar seus próprios grupos e linhas de pesquisa mais tarde. O que significa que o investimento é mais alto e o retorno mais limitado.

É difícil trazer os jovens para a ciência. O interesse é cada vez menor. E é difícil mantê-los motivados. Mesmo com todos os problemas, o número de graduados e pós-graduados no país têm aumentado nos últimos anos. A queda recente é alarmante, pois é um sintoma inequívoco de decadência e morte. Qualquer pessoa percebe que um dos sinais do envelhecimento é a demora ou falta de reposição de células e estruturas velhas. Qualquer machucadinho demora um tempão para cicatrizar. Os machucados da crise, se não atentarmos para os jovens, serão profundos e eternos.

Com a morte da Ciência no Brasil, uma das primeiras consequências será uma grande mortalidade frente à nova epidemia da vez. Isso não é nada fantasioso. Nos últimos dez anos tivemos epidemias de pelos menos 5 doenças graves - gripe suína, dengue, zika, chicungunya e febre amarela, sem falar na ameaça de ebola. Vale mencionar que a de febre amarela, absolutamente evitável, já revela a falta de pessoal ativo na vigilância epidemiológica.

Além disso, sem pessoal técnico adequado, a tendência é que os padrões sanitários sejam mais baixos de uma forma geral. A qualidade da água e dos alimentos tende a ser pior, o que resultará em um maior número de mortes por problemas e infecções gastrointestinais. Com a falta de técnicos no campo, prevê-se quebras nas lavouras e um menor rendimento agropecuário. Os alimentos serão não só piores, mas mais caros e escassos. O que piorará a saúde da população como um todo.

Com a falta de técnicos, não haverá políticas públicas eficientes em nenhuma área e a tendência é que a qualidade de vida urbana piore bastante. Transporte, poluição, criminalidade tendem a ser piores, aumentando o número de pessoas mortas em acidentes, acometidas por doenças respiratórias e psicológicas. E sem pessoal habilitado, a tendência é que as pessoas não encontrem tratamento adequado para nenhuma doença. Existe a possibilidade real do uso indiscriminado de antibióticos resultar em super bactérias resistentes, que podem causar epidemias graves. A falta de conhecimento geral também levará ao uso equivocado de medicamentos, descrédito da medicina e ao retorno a pseudotratamentos e charlatães.

Em uma escala maior, não vamos estar preparados para as mudanças climáticas. É bastante provável que falte água se não nos prepararmos, e é possível que o Brasil seja objeto de desastres naturais em larga escala que nunca vimos antes, como furacões e tornados. Haverá reflexos no campo dos transportes, comunicações, energia. O Brasil não terá os requisitos mínimos e a capacidade instalada nem para usar a tecnologia estrangeira. Quantas pessoas no país dominam a tecnologia de levitação magnética dos trens ultra-rápidos? Computadores quânticos? Fontes alternativas de energia? As mudanças climáticas e a obsolescência das tecnologias atuais tendem a nos deixar em colapso, ou num limbo tecnológico.

Haverá alguns contrapontos. O mercado funerário estará aquecido, e como a mortalidade deve afetar mais as camadas mais pobres da população é possível que o número de desempregados e subnutridos caia. O Brasil do futuro, pela nossa política atual, é o dos jazigos baratos. Existe alguém que apoie publicamente esse investimento?







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