A produção científica no Brasil (I) - totais históricos de publicação

Uma das formas pelas quais o saber científico é divulgado e discutido na comunidade acadêmica são os artigos em revistas especializadas. A produção científica de países, instituições e até indivíduos é comparada através do número e impacto dos artigos produzidos. Há uma série de restrições a esse tipo de abordagem, que serão discutidas oportunamente. Quanto ao número e impacto dos artigos, as produções costumam ser catalogadas por bancos de dados independentes, que cruzam os dados e referências das publicações para gerar índices de produção e citações. É assim que sabemos quantos e quais artigos foram publicados sobre um determinado assunto, ou por um certo cientista, por exemplo.

Um levantamento rápido num dos bancos de dados mais influentes na comunidade, o Institute for Scientific Information (ISI), revela o seguinte sobre a produção científica brasileira (termo de busca, país=Brazil):



Figura 1 - Produção científica brasileira indexada no ISI, 1966-2013.

A curva revela muitas coisas interessantes. A primeira é que não há registro (pelo menos catalogados nessa base de dados) de trabalhos oriundos do Brasil em revistas científicas antes de 1966. É claro que isso é uma limitação da ferramenta de busca e do banco de dados. Uma comparação rápida mostra que trabalhos oriundos da Alemanha (termo de busca país=Germany) se iniciam em 1951, e os EUA (termo de busca país=USA) em 1945. Não é necessário ter muito trabalho para levantar uma literatura científica vasta nos mais diversos assuntos nas primeiras décadas do século passado, e até no século anterior a esse. É possível que essa limitação esteja relacionada à linguagem dos periódicos (que passou para o inglês em sua maioria após o fim da Segunda Guerra Mundial), mas o mais provável é que esteja relacionada à dificuldade (ou pouco interesse) no cruzamento de referências antigas, em formatos muito diferentes do atual.

Uma característica notória da curva é seu aspecto crescente. Parece bastante claro que a ciência brasileira está em um ciclo virtuoso de crescimento, sem patamar aparente (até 2012). É difícil fazer considerações sobre as oscilações nas partes iniciais da curva, pois elas podem não passar disso, oscilações na parte inferior de uma curva aparentemente exponencial. Um ajuste de uma curva exponencial aos dados , entretanto, mostra que não é esse o caso (ver Figura 2).


Figura 2 - Produção científica brasileira indexada no ISI, 1966-2013, e ajuste dos dados a uma curva exponencial.


Por que o ajuste exponencial? Por que artigos científicos são produzidos por cientistas, e  cientistas, no modelo ocidental moderno, são de certa forma produzidos por outros cientistas. Isso é uma simplificação, claro, mas em outros termos, as publicações costumam ser o trabalho de teses e dissertações de mestrado, de alunos que são orientados por cientistas mais experientes. A partir de um ponto da carreira, o doutor formado passa a orientar novos alunos, e a propagar o modelo, o trabalho e os recursos, físicos e intelectuais.

Aparentemente, os dados divergem da curva mais fortemente a partir do ano 2000. Isso sugere que a partir desse ponto os recursos que fomentavam o crescimento passaram a escassear, passando a ser disputados pelas entidades produtoras (no caso, cientistas e grupos de pesquisa). Isso se imaginarmos que o crescimento no número de artigos se deu pelo aumento no número de cientistas, sem aumento na produtividade (em termos de número de artigos publicados por ano por cientista), e os dois fenômenos podem ter ocorrido ao longo desse período. Embora seja prematuro dizer que isso sugere que haverá um patamar de saturação (que pode estar relacionado ao montante de recursos aplicados, ou a fatores limitantes da própria estrutura que usa esses recursos), é evidente que o crescimento da produção científica brasileira tem um limite. Quando esse limite deve ser atingido, ou em que nível a produção científica brasileira deve ser mantida, são questões que fogem à análise exclusiva de dados de publicação científica.

A comparação com dados populacionais pode ajudar a iluminar essa discussão. A dinâmica de crescimento da população brasileira (dados IBGE) é apresentada na figura a seguir.


Figura 3 - População brasileira, 1872-2010 (Fonte: IBGE)


Observamos novamente uma curva crescente, o que pode trazer a ilusão de que o aumento na produção científica é meramente um reflexo do aumento do número de habitantes. Supondo-se que uma certa parte da população dedica-se às atividades científicas, mesmo sem um crescimento preferencial desta (ou de sua produtividade) é de se esperar mais publicações de acordo com o crescimento vegetativo do país. Uma comparação que pode ajudar a discriminar se o que estamos observando é um aumento real da atividade científica no país, ou apenas um reflexo do seu crescimento, seria observar o número de artigos por habitante. Essa comparação não pode ser feita detalhadamente, pois a base dos dados é completamente diferente - o censo brasileiro se iniciou em 1872, e é feito de 10 em 10 anos, mais ou menos. Seja como for, os dados para os anos aonde temos as duas informações são os da figura abaixo. 



Figura 4 - Produção científica por habitante no Brasil, 1970-2010.

Assim sendo, é possível dizer que a atividade científica no Brasil (ou pelo menos o seu resultado, em publicações internacionais) aumentou substancialmente nas últimas 4 décadas. Sem dúvida isso é o resultado do esforço dirigido de mais de uma geração de políticos, cientistas, cidadãos (pagadores de impostos) de todas as classes, o qual deve ser extremamente louvado. Mas aí vem a pergunta: chegamos a um patamar? Isso é pouco, muito, ou suficiente? É evidente essa pergunta abrange fatores muito além de uma mera análise  superficial da produção científica. Mas vale a pena, nesse sentido, estabelecer uma comparação com outros países, e com a média mundial. Os dados encontram-se nas figuras e no arquivo (link com tabela) abaixo. Estão listadas as produções científicas (números de artigos publicados em 2010), o tamanho das populações e a razão de artigos por habitante de cada país nesse ano.


Figura 5 - Produção científica indexada (ISI, 2010) em todos os países do mundo. A posição do Brasil está indicada por uma barra preta e flecha azul.


Figura 6 - População (OCDE, 2010) de todos os países do mundo. A posição do Brasil está indicada por uma barra preta e flecha azul.


Figura 7 - Produção científica relativa (2010, Número de artigos científicos por habitante) de todos os países do mundo. A posição do Brasil está indicada por uma barra preta e flecha azul.



É auspicioso verificar que o Brasil possuiu a 13º posíção no ranking de publicações científicas em 2010 (Figura 5). Mas também é evidente que, sendo um país de população grande (5º maior população, Figura 6), teríamos mais publicações que países muito pequenos, como Tonga ou Ilhas Virgens. Uma maneira de fazer uma comparação mais eqüânime das produções de cada país pode ser a razão entre artigos científicos e habitantes, gerando o terceiro ranking da tabela (Figura 7). E ao fazermos essa equalização, o Brasil cai para a 65º posição. É interessante observar que os oito primeiros países nessa escala são países europeus (Suíca, Islândia, Dinamarca, Irlanda, Suécia, Holanda, Noruega e Finlândia), e que países muito grandes, por mais que tenham as maiores produções científicas, acabam tendo posições menores nesse ranking. É o caso dos EUA (17), China (78) e Índia (109). 

Há inúmeras leituras e nuances a serem exploradas desses números. Seria importante saber quais são os fatores que determinam a baixa posição brasileira no ranking normalizado. Pode ser o nível de investimento, o número de cientistas, ou a produtividade do cientista brasileiro. Esses fatores serão discutidos oportunamente. Isso sem discutir a qualidade das publicações brasileiras, pois estamos apenas olhando para o aspecto quantitativo da produção. Seja como for, parece bastante evidente que, considerando o tamanho da população brasileira, a produção científica do país poderia ser bem maior, rivalizando com os líderes desse campo (EUA, China, Inglaterra, Alemanha). É claro que essa digressão tem que ser feita com bom senso. Se tivéssemos o rendimento da Suíca (0.0034 artigos/hab), teríamos uma produção (670 mil artigos) maior que a dos EUA, que é a maior do mundo. Se tivéssemos o rendimento dos EUA (0.0013 artigos/hab), teríamos a segunda maior produção (260 mil artigos), maior que a da China. De qualquer forma, considerando o aspecto estratégico da produção científica para o país, aí está uma série histórica que deve ser acompanhada de perto e uma discussão que deve ser mantida em aberto: qual deve ser o tamanho da ciência brasileira?










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