Doença e memória

Meu pai era o cara mais fantástico do mundo. Pelo menos do meu mundo. Muita gente provavelmente teve essa mesma impressão do próprio pai, e eu realmente espero que todos mesmo tenham. É um direito básico do ser humano.

Meus pais eram separados, e nós víamos meu pai só no fim de semana. Na verdade eram fins de semana alternados, um fim de semana com minha mãe e outro com meu pai. Nós costumávamos ir com meu pai à casa da praia em Itanhaém. Às vezes ficávamos por São Paulo mesmo.

Mas essa rotina era quebrada de vez em quando. Nos aniversários meu pai vinha ver a gente, assim como nos feriados importantes, como Natal, Dia da Criança e Páscoa. Isso trazia uma expectativa adicional para essas datas especiais. E havia os dias em que acontecia algo grave, ou em que um de nós ficava doente.

Eu era sem dúvida o mais frágil dos quatro irmãos. Tive muitas pneumonias quando nenê, depois tive asma, que virou bronquite, que virou uma série de crises esporádicas seguidas de internação. Quando isso acontecia, meu pai vinha me ver, em casa ou no hospital. Nenhuma criança gosta de ficar doente, mas aquilo era mágico, eu tinha meu pai só pra mim. E meu pai sabia fazer a gente se sentir especial. Trazia doce (a gente quase nunca comia doce), um brinquedo ou um livro. Ficava horas conversando com a gente no quarto. Cantava músicas, contava história, fazia brincadeiras, muita cosquinha. Eu dormia feliz. E sempre fiquei bom.

Hoje meu pai não está mais por aqui. Eu cresci de verdade, acho, e não fico mais doente como antigamente. Aquela sensação agridoce de ir parar no hospital se foi, e eu fiquei só com a parte ruim por bastante tempo. Agora minha filha tem um ano, fica ruinzinha de vez em quando, e é a minha vez de ser o cara mais fantástico do mundo. A enorme angústia de vê-la doentinha se mistura com a saudade e a sensação de legado. O sentimento é muito forte. Espero que um dia minha menina entenda que o meu choro não é só de tristeza, tem um pouco de alegria e de medo misturado. Alegria de ter tido um pai tão legal, uma família tão bonita, e medo de não ser como meu pai. É muita responsabilidade, gostaria muito de poder perguntar como era e como é que se faz. Quem sabe um dia eu conto isso tudo pra Gabi.

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