Projetos, projetos fresquinhos


Recentemente submeti e revisei alguns projetos de pesquisa para agencias financiadoras. Isso faz parte do trabalho de rotina do cientista. Mas afinal, o que é um projeto científico? É engraçado perceber como, ao longo da carreira, tive tão poucos momentos de reflexão e aprendizado consciente direcionado a uma pergunta tão importante...

Como todo e qualquer projeto, o projeto científico é um plano ou idéia formalizada, de um trabalho que se quer realizar no futuro. Entretanto, diferentemente de um projeto arquitetônico ou decorativo, num projeto científico o resultado às vezes é menos palpável, pois o que se quer construir é conhecimento.

Via de regra no Brasil os projetos científicos são submetidos a agências financiadoras do governo. Há o caso de projetos ligados a fundações de fomento filantrópicas internacionais, como a Gates Foundation, e projetos financiados por empresas, estatais ou privadas, mas creio que esses sejam uma minoria no mundo acadêmico. As agências mais importantes no Brasil são o CNPq, a CAPES e as agências estaduais de fomento, como a FAPERJ, FAPESP ou FAPEMIG. Essas agencias escolhem os projetos que serão financiados através de editais ou processos de seleção publicos, aonde os projetos e seus proponentes são avaliados por comitês, e alguns são escolhidos para receber o dinheiro do governo, ou seja, do povo.

Já no início do processo podemos observar uma contradicao aparente que pode ser descrita em uma pergunta direta: como saber o que vai dar certo? Parece um contrasenso, mas como dar garantias de sucesso (que às vezes é bem difícil de definir claramente), se uma das características inerentes e necessárias da pesquisa é a procura e busca pelo desconhecido? A cobrança por resultados mais concretos, que começa já no desenho dos projetos, poderia ser uma das razões de diminuição da originalidade das propostas...

Mas acontece que em ciência, como em qualquer outra atividade humana, não se começa do zero. O trabalho científico atual, individual, de grupo ou de uma área, faz parte de uma corrente, aonde a partir do que já foi descoberto pelas gerações anteriores, ou por trabalhos prévios (numa hipótese chata, por trabalhos de grupos contemporâneos concorrentes), propõem-se olhares novos, ou novas medidas, ou novas hipóteses, ou novas aplicações. Talvez um dos mistérios de um bom projeto seja conseguir usar a base sólida de conhecimento adquirido para convencer o público de que vale a pena investigar mais aquele assunto e, ao mesmo tempo, demonstrar que a estratégia proposta é viável.

Ao mesmo tempo, podemos fazer um paralelo interessante, entre projetos cientificos e projetos que fazemos em nossas vidas. As razões de sucesso, ou de fracasso, não são muito parecidas nos dois contextos? Não conseguimos, no decorrer de nossa existência, adquirir certa visão que nos ajuda a identificar algumas iniciativas como fantasiosas, impossíveis, e outras como promissoras? Cujos resultados ou sucesso parecem mais prováveis? Qual é a diferença?

As respostas a essas perguntas muitas vezes levam uma vida inteira para serem descobertas, e cada um de nós provavelmente terá certezas diferentes. Vou apenas comentar algumas dicas que já me ajudaram bastante nesse processo:

(1) Ser original. Não copiar. Apesar de ser mais fácil copiar um projeto antigo ou de outra pessoa, às vezes escrever um texto original sobre o tema não só traz mais clareza e segurança, mas também resulta num documento mais interessante, vivo, resultado de um esforço que reflete a evolução do pensador que está por trás da proposta. Isso é valoroso do ponto de vista pessoal e é facilmente reconhecido, da mesma forma que facilmente percebemos quando estamos na frente de uma colcha de retalhos de textos copiados de outros lugares. Uma exceção é a de projetos que são uma continuação de projetos anteriores, pois nesse caso não faz sentido não partir do que já foi proposto antes.

(2) Seguir o roteiro dado pela agência financiadora. Uma estratégia que funciona é se basear nos tópicos dados no edital ou formulário de inscrição. Se escrever o projeto se resumir a preencher espaços em um modelo (que foi definido por quem vai decidir para onde vai o dinheiro) ganha-se um caminho a percorrer e mais objetividade.

(1) Começar pelos objetivos. Eles devem ser claros e concisos. Eles são a parte mais importante do projeto, e é bastante provável que o leitor comece por eles. Dividir em objetivo geral e específico é interessante, desde que se tome o cuidado de não transformar o objetivo geral em algo completamente vago e os obejtivos específicos em uma lista de experimentos a fazer. O objetivo geral do projeto deve ter a especificidade da questão e do modelo proposto, e os objetivos específicos devem descrever os passos que se pretendem seguir ao longo do processo. Isso resume uma das estratégias bem sucedidas da busca de conhecimento, que é inicialmente ter clareza e definir o problema, e para respondê-lo dividi-lo em partes pequenas que podem ser resolvidas de forma concatenada e em uma escala de tempo e esforço palpável.

(2) Metodologia. Não gastar tempo e espaço descrevendo detalhes que estão descritos em outro lugar, como artigos e livros de referência. É importante saber por que uma determinada técnica será usada, aonde e por quem serão feitos os experimentos, e em que condições (por exemplo, se os equipamentos necessários estarão disponíveis).

(3) Introdução. A introdução é a última parte do texto que eu recomendo escrever. Isso por que se começamos por ela tendemos a ser enciclopédicos e tentar reunir todo o conhecimento próximo ao tema, e não apenas os que estão diretamente relacionados aos objetivos do trabalho e às possiveis dificuldades experimentais da proposta - que é o que realmente interessa, e que costumam ficam claros apenas depois de escrever objetivos e metodologia.

(4) Referencias. Uma avalanche de referências não impressiona ninguém, ainda mais na época do recorte-e-cole e dos aplicativos específicos para listas. Referências bem escolhidas, que você realmente conheça, têm muito mais valor. Boas referências são referências que despertam a vontade no leitor de ir buscar aquele texto na biblioteca para consultar. Elas devem ser acessíveis, estar em inglês ou na língua nativa de quem estiver avaliando o projeto (no nosso caso, portugues). Quanto mais recentes, em se tratando de conhecimento técnico, melhor. No caso de uma revisao mais histórica da área, trabalhos mais antigos se justificam. Muitas vezes é mais interressante citar uma boa revisão do que muitos trabalhos da mesma área.

A ultima dica. Ao submeter seu projeto à avaliação de terceiros, seja insistente. Se você realmente acha que vale a pena investigar o que está propondo, não serão alguns reveses que o farão desistir. Caso o seu projeto seja recusado, não leve para o lado pessoal. Além de não controlar e não ter domínio ou conhecimento sobre várias etapas importantes do processo - como por exemplo quem competiu com você - isso não é produtivo, É muito mais interessante fazer uma auto reflexão de modo a entender o por quê do insucesso, corrigir erros, melhorar o que já está feito. Caso seu projeto seja aprovado, PARABÉNS! E mãos à obra...




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