Cupins, cana de açúcar e você: tudo a ver

Recentemente no meu laboratório publicamos um artigo científico sobre enzimas digestivas de cupins, e sua possível aplicação na degradação de bagaço de cana. De uma maneira geral, pudemos demonstrar que algumas espécies de cupins brasileiros tem enzimas capazes de degradar eficientemente esse material. Mas o que isso tem a ver com você, caro leitor, para o qual as duas primeiras frases do texto soaram como algo meio esotérico?
Acontece que o bagaço de cana é considerado como a biomassa mais promissora para uso como fonte de produção de álcool de segunda geração. Na produção rotineira do álcool (primeira geração) o açúcar (sacarose) presente no suco obtido da cana de açúcar após a moagem é de certa forma ¨digerido¨ (o termo mais correto é fermentado) por microorganismos (leveduras). E, por mais incrível que isso possa parecer, o que resta da cana de açúcar após a moagem, o material fibroso conhecido como bagaço, também é em grande parte constituído de açúcares.
O bagaço de cana, assim como outras fibras vegetais, é constituído por açúcares como glicose ou xilose mas, diferentemente da sacarose (que é formada apenas por uma glicose e uma frutose), nas fibras a glicose e a xilose formam longas cadeias, que são conhecidas como celulose e xilana. Seres humanos não conseguem digerir fibras nem reter esses açúcares por que essas cadeias de açúcar são tão longas que nossas células intestinais não conseguem absorvê-las, e nós não temos enzimas digestivas capazes de reduzi-las a açúcares menores. Mas na natureza há inúmeros seres capazes disso, entre eles os cupins.
Que os cupins são capazes de digerir madeira é conhecimento público e rotineiro. Mas há quase cem anos cientistas começaram a desvendar o sistema digestivo desses insetos, mostrando que na verdade os cupins fazem uso de uma gama de microorganismos (como bactérias, protozoários e fungos) em seu intestino, os quais o ajudam nessa tarefa ¨indigesta¨. Hoje em dia partes do intestino dos cupins são muitas vezes interpretadas como se fossem minireatores, aonde os insetos fazem fermentação a partir de celulose e outros materiais refratários. Uma das chaves do sistema são as enzimas digestivas, como celulases e xilanases, que tanto os insetos como esses microorganismos produzem, e que são capazes de transformar a celulose em açúcares simples, como glicose e xilose, fáceis de absorver e transformar em energia. E são essas pequenas peças que os cientistas tentam trazer para a indústria energética, da mesma forma que outras enzimas já são utilizadas na indústria de alimentos e de tecidos, entre outros exemplos.
O uso biotecnológico das estratégias encontradas na natureza para a solução de problemas bioquímicos e fisiológicos, com a união de peças tão discrepantes como cupins, cana de açúcar e pessoas nos seus veículos pode culminar na realização de uma dos maiores sonhos da humanidade: energia limpa, barata e acessível a todos. A esperança é grande.

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