Disciplina e Inspiração


Uma impressão recorrente é a aparente dicotomia, em meu trabalho, que observo entre a disciplina e a inspiração. O trabalho científico de boa qualidade requer as duas coisas. É mais fácil reconhecer a necessidade da segunda, e no começo da carreira creio que essa foi a principal força motriz para o meu engajamento.

A inspiração tem várias fontes, como a minha formação cultural ou a minha natural curiosidade. Ela vem entremeada de grandes temas, grandes aspirações, muitas vezes ligada ao que creio ser o papel do cientista na sociedade, ou ao papel da ciência, talvez do conhecimento, na construção de um mundo melhor. É algo ligado ao idealismo, não só no sentido utópico, mas também no sentido da arte de ver e construir um mundo através de idéias, teorias, análises e sínteses.

A necessidade de disciplina também tem origens diversas, tanto na nossa raiz material e biológica, como na nossa inserção social. Entretanto, há duas causas sutis que foram para mim muito difíceis de perceber. A primeira, que se tornou clara durante a pós graduação, foi a profissionalização do cientista moderno. O cientista deixou há muito de ser um solitário inventivo, devaneador visionário como Leonardo ou Einstein. Hoje o cientista ganha salário, aposentadoria e faz parte de uma linha de produção de conhecimento, com resultados e metas mensuráveis...

Além disso, há a questão da reprodutibilidade. É chato repetir experimentos. Ninguém consegue publicar repetições de coisas já feitas. Mas os resultados só podem ser considerados válidos, como reprodução do mundo sensível, se forem repetidos muitas vezes, e por observadores independentes. Pelo menos em teoria... Essas duas forças me obrigaram a ter consciência de que o trabalho, ou eu mesmo como cientista, só atingiria níveis de qualidade excepcionais através de um esforço constante de disciplinização de mim mesmo e de minha equipe.

Acontece que para ter isso é necessário ter metas e cobrança. E isso só vem através de inspiração, da fé interna de que o que fazemos é importante e necessário. E é nesse ponto em que a dicotomia se desfaz, e eu vislumbro a imagem do cientista completo que gostaria de ser.

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