O infinito e o infinitesimal

O tamanho do universo conhecido é de cerca de 78 bilhões de anos-luz. Um ano luz tem 10 trilhões de quilômetros. Isso significa dizer que o universo tem 780 bilhões de trilhões de quilômetros, ou seja, 780.000.000.000.000.000.000.000 quilômetros.

Por outro lado, o tamanho da menor partícula conhecida, o quark, tem no máximo 43 bilionésimos de bilionésimo de centímetro. Isso corresponde a 0,000000000000000043 centímetro.

Esses números ilustram como muitos dos conceitos e conhecimentos científicos básicos estão absolutamente fora da nossa escala cotidiana. São abstrações quase que puras, dissociados quase que completamente da nossa experiência sensorial comum. Nossas preocupações e ações diárias ocorrem na casa dos milímetros, centímetros, metros, quilômetros. Às vezes fazemos uma viagem de avião e percorremos milhares de quilômetros, mas isso vale apenas para uma parcela muito pequena da população.

A mesma coisa ocorre com os números. No nosso dia a dia dificilmente usamos milésimos. A unidade fracionada mais comum é o centésimo. Os maiores números que usamos no cotidiano talvez sejam centenas, raramente milhares. O mais comum é usarmos dezenas e unidades, e com certeza contar nos dedos é mais útil do que pensar nos milhões da Mega Sena.

Em medicina e biologia não é muito diferente. Nosso corpo é constituído de bilhões de células, a espécie humana é constituída de bilhões de indivíduos, são conhecidas milhões de espécies biológicas. O que significam todas essas coisas? Elas não têm significado concreto intuitivo, para um intelecto desarmado de imaginação e compreensão científica com um mínimo de profundidade.

O que nos leva a uma dissociação perigosa. Embora individualmente a felicidade e saúde humanas dependam muito mais do que está à nossa mão, de nossos atos e de coisas que são diretamente observáveis, em uma escala maior de tempo e espaço somos dependentes de tecnologia e de conhecimentos que a maioria da sociedade não vê e não compreende.

As soluções de praticamente todos os problemas do país e do mundo vêm de fatos e manipulações microscópicas ou tão grandes que estão fora do nosso alcance rotineiro de percepção e compreensão. A lista seria enorme: alimentos, meios de transporte, comunicação, energia, tratamento de doenças, entre outros. E uma comunidade que não compreende isso não consegue nem fazer proveito dessas soluções de forma bem sucedida. Há inúmeros exemplos de desperdício de recursos ou, o que é pior, agravamento de situações por intervenções inadequadas, até mesmo por parte de governos que deveriam por princípio estar bem assessorados.

Uma consequência danosa desse afastamento é que pessoas que não sabem fazer uso de tecnologia dificilmente reconhecem sua importância. E evidentemente estarão menos preparadas para mudanças no ambiente e na sociedade. Uma comunidade que não valoriza o conhecimento, além de dificilmente propor novas soluções e novos conceitos, assumindo uma posição passiva a esse respeito, tende a lutar com cada vez mais dificuldade e com menos eficiência contra as vicissitudes do mundo moderno, já que as ferramentas são praticamente todas tecnológicas e requerem conhecimento para sua utilização.

O contingenciamento dos investimentos em ciência e tecnologia no Brasil, a perda de força política e de visibilidade das agências de investimento em pesquisa terá um custo altíssimo e, o que é pior, invisível no curto prazo e na rotina diária dos governos e das pessoas. O alerta deve ser feito agora e sempre, pela própria natureza do conhecimento e da sua relação com a sociedade.

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