O produto e o processo
Uma conversa com colegas do meio
artístico essa semana levantou uma questão antiga e relevante, que é a
dicotomia aparente entre produto e processo, e como devemos nos relacionar com
essas partes do fazer humano. Uma definição possível de produto seria o processo
acabado, sendo o processo qualquer atividade, humana ou não.
Entretanto, essa definição tem um
sentido diferente dependendo do contexto. Uma obra de arte, assim como um
trabalho investigativo, pode não acabar nunca. Inúmeros fatores podem definir o
fim de um processo. O que define o término de um processo é satisfação de um
fim, e a finalidade pode ser comercial, estética, social, fisiológica. Muitas
finalidades podem coexistir em um produto, e muitas vezes elas não concordam
entre si. Exemplos disso podem ser encontrados tanto na ciência como na arte.
Uma obra de arte pode estar acabada para o artista, antes de ser divulgada. É o
fim de um processo individual. Mas ao ser exibida, apreciada, discutida, ela se
presta a outros fins, e pode-se considerar o fim de um novo processo essas
novas etapas do seu curso. O mesmo vale para o trabalho científico. A resposta
de uma pergunta pode ser obtida dentro de um laboratório por um cientista, e
satisfazer sua curiosidade pessoal. Mas a divulgação e discussão desse conhecimento
em congressos, aulas, livros, artigos obedece a outros fins, e muitas vezes são
consideradas como produtos finais, em outros contextos.
O que me chama a atenção é que a partir
dessa falsa dicotomia (poderia chamá-la de dualidade) observamos atitudes e
escolhas que de uma ou outra forma enfraquecem o ser humano. A valorização
única do produto tem muitas vezes como finalidade a reiteração e avaliação socioeconômica
de um processo, e muitas vezes isso é necessário para podermos tomar decisões
conscientes a respeito de investimentos futuros, refletindo sobre o passado e o
presente. Um exemplo óbvio disso na ciência é a valoração de profissionais em
função do número de artigos publicados. Exemplos na arte podem ser exposições,
vendas de quadros, apresentações, tamanho de público atingido. Contudo, do
ponto de vista individual, a valorização do produto em detrimento do processo
pode levar a uma atividade vazia, aonde os mecanismos internos de satisfação e
enriquecimento pessoal, que muitas vezes são desenvolvidos durante o processo,
são deixados em segundo plano. Um exemplo disso na atividade científica é a
publicação de artigos científicos com pouca inventividade, aonde se repetem as
mesmas hipóteses e conjunturas apenas em diferentes modelos experimentais. Além
disso, muitas vezes a produção em massa de artigos deixa a desejar do ponto de
vista educacional, com pouco desenvolvimento crítico dos alunos e profissionais
envolvidos. A produção em série e a massificação da arte também empobrecem o
público e o artista, tanto do ponto de vista da qualidade da experiência artística
como também no desenvolvimento da arte como atividade social e econômica.
Por outro lado, a valorização exacerbada
do processo, sem nenhuma preocupação com o produto final, também pode levar a
aberrações. Um cientista que nunca chega a nenhuma resposta, ou que nunca
publica nenhum trabalho, acrescenta pouco à sociedade como um todo, dependendo
do contexto. O mesmo ocorre para um artista que nunca finaliza uma obra ou que
nunca apresenta suas criações a ninguém. Considerando a evolução histórica da
sociedade e do ser humano recente, figuras assim são insustentáveis a longo
prazo do ponto de vista social e econômico, como também podem ser nocivas do
ponto de vista intelectual e psicológico. Por que em última análise o fim de
qualquer atividade humana é a felicidade, e ela é majoritariamente obtida na
realização de um desejo qualquer, processo e produto concluídos. Uma exceção a
essas considerações seria considerar a busca do conhecimento como produto em
si, ou seja, perceber na realização do processo um produto embutido. Mas essas
operações de meta-análise são frutíferas apenas quando se têm um alto nível de
consciência, que não é rotineiramente presente na maioria das atividades
humanas.
É impressionante observar como essa dicotomia
e essas armadilhas são comuns a praticamente qualquer atividade humana. Devemos
desfrutar do processo, por que sem isso não encontramos disposição para fazer
as tarefas em alto nível. Ao mesmo tempo, devemos nos preocupar com o produto
final, almejar um objetivo no fim, pois sem isso não encontramos o objeto, o
alvo ao qual aplicar a energia e a disposição desenvolvida durante o despertar
do processo. Como em muitas dicotomias, o avanço se encontra na resolução das
contradições. Se processos e produtos andassem juntos, conscientemente, o ser
humano se permitiria descobrir níveis cada vez mais elevados de realização.
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