Salvem o mosquito da Dengue
A Dengue é uma
das doenças tropicais transmitidas por insetos com maior impacto nas sociedades
humanas atuais. Nos últimos anos, o numero de casos ao redor do mundo oscilou entre
50 e 100 milhões, sendo que 2,5 bilhões de pessoas encontram-se em áreas de
risco para a enfermidade. Além disso, a Dengue é considerada uma doença
negligenciada, por que apesar do fato de não haver uma
estratégia definitiva para o tratamento ou prevenção da doença, o investimento em pesquisa e desenvolvimento de
medicamentos, testes, terapias ou vacinas voltados para a Dengue é bem pequeno
quando comparado aos investimentos voltados para outras enfermidades, como
câncer, doenças coronárias, neurodegenerativas ou diabetes.
A Dengue é
causada por um vírus, do grupo dos Flavivírus. O vírus é ingerido pelo mosquito fêmea quando este se alimenta do sangue de uma
pessoa doente. Após circular pelo intestino, traqueias (sistema respiratório) e
hemolinfa (sistema circulatório) do inseto, o vírus se aloja no sistema nervoso e nas
glândulas salivares. Quando o mosquito infectado pica uma outra pessoa, os vírus
presentes na glândula salivar sao injetados no seu sangue, dando início à
infecção no humano, que pode desenvolver a dengue em seus vários sintomas até
sua forma mais grave, a hemorrágica.
O consenso é
que a melhor maneira de lidar com a doença é a prevenção. Inúmeras estratégias
para o controle da dengue já foram propostas e novas estão sendo testadas no
momento. Um fato é que o grande número de seres humanos no planeta cria um
nicho ecológico para diversos organismos sugadores de sangue, e que por mais
que se manipule a natureza a tendência é que algum ser vivo ocupe esse nicho e
explore essa fonte de alimento.
A estratégia
de controle até hoje mais utilizada, e que pretende preservar esse nicho intocado,
é pela redução do numero de insetos, especialmente pelo controle químico
(inseticidas). O uso de inseticidas químicos tem duas agravantes: o efeito
ambiental e o aparecimento de populações de insetos resistentes. O efeito
ambiental nada mais é do que o acúmulo de um composto tóxico nos solos, na água
e na cadeia alimentar, com mortandade de outras espécies que não eram o alvo
original do inseticida. Além disso, o uso em longo prazo do composto resulta em
sérios danos à saúde humana, com casos de intoxicação aguda (especialmente nos
trabalhadores que lidam diretamente com inseticidas) ou acumulativa.
Um efeito mais
demorado do uso de inseticidas é o aparecimento de populações de mosquitos resistentes.
Ele nada mais é do que uma decorrência das leis da evolução biológica em uma
escala reduzida de tempo. Em linguagem técnica, a aplicação do inseticida causa
uma pressão seletiva na população de mosquitos, favorecendo os indivíduos que
são menos afetados. Em um exemplo extremo e simplificado, se todos os mosquitos
de uma localidade morrerem após a aplicação do inseticida, menos uma fêmea que é
resistente a ele, todos os mosquitos da próxima geração (filhos da fêmea
resistente, e supondo que a resistencia é hereditária) serão resistentes e o
inseticida não terá mais efeito.
Frente a esses
problemas, novas estratégias para o controle desse tipo de infecção vêm sendo
propostas. Há duas que me chamam particularmente a atenção, não por terem
efeitos práticos em campo, mas pela mudança filosófica embutida no seu
desenvolvimento. Uma delas trata da domesticação do mosquito. Pesquisadores
propõem que as pessoas tenham em suas casas alimentadores artificiais, com uma
pequena quantidade de sangue a ser oferecida diariamente aos insetos. A
quantidade de sangue é pequena (1 mililitro), mas é suficiente para alimentar
todos os mosquitos que vivem em volta da casa. Como os mosquitos se
alimentariam mais facilmente dessa forma, as picadas seriam evitadas. Com o
tempo, mosquitos que preferem o alimentador seriam selecionados, e ocupariam o
espaço ecológico dos mosquitos que se alimentam nas pessoas. Isso ocorreria por
que o que limita as populações de mosquito na natureza são os criadouros de
larvas, e não a quantidade de alimento para os adultos (sangue).
A outra idéia
trata do desenvolvimento ou de mosquitos imunes à Dengue. Ou mosquitos
incapazes de transmiti-la. Aparentemente, é mais simples curar um mosquito (ou
torná-lo refratário à infecção) do que curar ou imunizar um humano. Se a
população de mosquitos da região for imune à Dengue, interrompe-se o ciclo da
doença da mesma forma. Há várias estratégias em curso para atingir esse
objetivo, desde o tratamento dos mosquitos com bactérias naturais, ou mesmo
geneticamente modificadas, até a criação de linhagens transgênicas de
mosquitos. Seja como for, a grande novidade conceitual é que uma forma de se
combater esse tipo de doença passa pelo cuidado com a saúde do vetor. Mosquitos
saudáveis não transmitem doenças.
De acordo com
essa nova lógica, a prevenção de doenças tropicais passa por um entendimento do
ambiente e dos agentes biológicos envolvidos que é mais complexo do que o
binômio humano-patógeno, ou humano-vetor. E é nessa mudança conceitual que a
ciência brasileira pode adquirir uma dianteira significativa, aproveitando o
conhecimento científico de gerações de cientistas que se dedicaram ao estudo da
entomologia em seus diversos aspectos. Seja como for, o mundo ocidental moderno,
pelo menos na figura dos seus especialistas, definitivamente não está olhando
para mosquitos, moscas e barbeiros da mesma forma que antigamente.
Alguns Links:
Mosquitos Domesticados:
Mosquitos tratados com bactérias
Mosquitos trangênicos
Informações Gerais Sobre a Dengue:
http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs117/en/index.html
Comentários
Postar um comentário